As duas mais importantes entidades científicas
internacionais na área de diabetes – ADA (American Diabetes Association) e EASD
(European Association for Study of Diabetes) – lançaram em setembro último uma
diretriz conjunta sobre gerenciamento da hiperglicemia no diabetes tipo 2.
O documento foi divulgado durante a realização, em Berlim
(Alemanha), do 54º Congresso Anual do EASD. O que diz essa declaração
consensual? Ao lado de recomendações clínicas/medicamentosas (que não vêm ao
caso aqui, porque dirigidas ao médico prescritor), o que chama atenção no
consenso é a valorização da educação e do cuidado do indivíduo com DM2. As
principais recomendações nesse sentido:
·
Os sistemas e provedores de serviços de saúde
devem priorizar os cuidados centrados no paciente por serem respeitosos e
receptivos às múltiplas morbidades e preferências individuais do paciente no
controle do diabetes.
·
As preferências do paciente são um fator
importante na adesão à medicação e devem ser consideradas especificamente ao
selecionar medicamentos para redução da glicose..
·
Todos os pacientes com DM2 devem ter acesso a
programas de educação e apoio de autogestão para diabetes.
Qual o mérito do consenso ADA/EASD? Acima de tudo, reforçar
a necessidade de que a tomada de decisão seja centrada no paciente, além de
fornecer ao indivíduo as ferramentas para a decisão. Esse modelo baseia-se essencialmente
na ideia de que a interação médico-paciente´(ou, melhor ainda, profissional de saúde e paciente) deve considerar a perspectiva daquele
que procura atendimento – suas expectativas, medos, idéias e valores – e a importância
de sua participação para o sucesso do tratamento.
Mudou a medicina? Com certeza. Mas principalmente mudaram os
pacientes. Os indivíduos, que antes confiavam cegamente nos profissionais de
saúde, hoje chegam no consultório munidos de informações, termos médicos,
hipóteses diagnósticas e propostas de tratamento.
Através da história, o profissional da saúde assumiu
diversos papéis. Primeiro foram os curandeiros que praticavam curas em tribos e
nas sociedades pré-cristãs, como a do Egito. Depois vieram os doutores
semideuses da Grécia Antiga. Com o juramento de Hipócrates, que surge no século
V a.C., nasce também o humanismo na relação com o paciente. No período medieval,
a relação sofre um retrocesso: o médico volta a se mostrar como um ser onisciente,
dotado de poderes superiores, místicos até.
Em 1847, o Código de Ética da American Medical Association
(AMA) recomendava que a obediência de
um paciente às prescrições de sua equipe de saúde fosse “imediata e implícita”. Foi
preciso mais de um século e meio (1990) para que a mesma associação passasse a
reconhecer o direito do paciente de tomar decisões sobre os cuidados de saúde preconizados
pelo profissional, podendo “aceitar ou recusar qualquer tratamento de saúde
recomendado”.
No Brasil, o documento HumanizaSUS, de 2004, prega a humanização
e a “troca de saberes (incluindo de pacientes e familiares), diálogo entre os
profissionais e modos de trabalhar em equipe”.
Claro que o paternalismo ainda é percebido nos dias atuais. Mais
ainda, o verticalismo das relações se faz presente em atendimentos que adotam
uma perspectiva exclusivamente “biomédica”, sem sopesar a autonomia e os
desejos do indivíduo. Inúmeros pacientes, por sua vez, ainda aceitam passivamente
as orientações, até porque nem sempre sabem como questionar o profissional ou não se sentem à vontade para tanto. Ou são
ambos – médico e paciente – presas de consultas com tempo reduzido que não
permitem qualquer interação enriquecedora.
Mas é animador ver entidades importantes como a ADA e a EASD
empenhadas nessa mensagem integrativa. E na valorização da educação como forma
de apoio à autogestão do tratamento do diabetes tipo 2 – uma condição complexa,
que envolve diversas dimensões da vida e do cotidiano do paciente.
Para finalizar, vale destacar que a informação é sempre o
melhor caminho para o autoconhecimento. O indivíduo ativo e informado é capaz de
pensar criticamente e agir de forma autônoma. Se, ao seu lado, houver equipes
de saúde ativas e preparadas, temos um mundo ideal.
Vale a pena sonhar, não é mesmo?