terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Falha na bomba

Em todo o mundo, 23 milhões de pessoas sofrem de insuficiência cardíaca. São 3 milhões só no Brasil, onde é a segunda doença cardíaca mais comum e uma das principais causas de internação de adultos. Entre aqueles com mais de 65 anos, a prevalência supera 10%. E o pior: a mortalidade chega a 50% depois de 5 anos de diagnóstico.
A insuficiência cardíaca é uma doença caracterizada pela diminuição da capacidade de bombeamento do coração. Ou seja, o coração é incapaz de bombear e distribuir sangue de forma a atender às necessidades metabólicas de todos os tecidos do organismo.
E o que isso tem a ver com diabetes? Tudo! Já falei aqui sobre como a glicemia constantemente elevada causa danos ao coração (leia E o coração padece). Esses danos acumulados ao longo dos anos podem desembocar na insuficiência cardíaca, tornando o diabetes um fator de risco estabelecido para o desenvolvimento da doença.
Entre as pessoas com insuficiência cardíaca, 34% têm diabetes. E entre os indivíduos com diabetes, 12% têm insuficiência cardíaca, prevalência que sobe para 22% entre os idosos com DM.
São muitos números, mas o que mostram é a correlação inequívoca entre as duas condições. 
A diferença é que o diabetes pode ser controlado e garantir uma vida saudável. Enquanto a insuficiência cardíaca, se instalada e não tratada, pode comprometer muito a qualidade de vida.
Funciona assim: o músculo cardíaco, por conta de “maus tratos” ao longo da vida, vai ficando debilitado. Daí não tem força para bombear o sangue para o corpo. Os tecidos vão ficando desnutridos. O sangue que “sobra” dentro do coração congestiona a região pulmonar, causando falta de ar. Primeiro ao esforço, depois mesmo em repouso, o que chega a afetar até o sono e o descanso. Com o agravamento da condição, pode surgir edema (inchaço), não apenas visível (no abdômen, pernas e pés), como por dentro do corpo (especialmente do fígado).
Além da falta de ar e inchaço, os principais sintomas da insuficiência cardíaca são: tosse sem causa aparente, ganho de peso súbito, palpitações, fadiga, dificuldade de concentração, vertigem, náusea e suor excessivo.
Claro que não é apenas o diabetes que provoca o surgimento da insuficiência cardíaca. O cigarro está entre as principais causas, junto com a hipertensão, a dislipidemia e a ingestão excessiva de bebida alcoólica.
Dá para prevenir? Sim, cuidando bem da saúde do coração, como sempre. Não fumar, seguir uma dieta saudável, praticar atividade física regularmente, manter hipertensão e dislipidemia sobre controle. E, claro, cuidar da glicemia. Estudos mostram uma associação direta entre os níveis de hemoglobina glicada e o risco de insuficiência cardíaca. Ou seja, quanto maior a HbA1C, maior o risco.
Mas tão importante quanto prevenir é cuidar, tratar da insuficiência cardíaca. Um importante estudo publicado em 2014, o BREATHE (Brazilian Registry of Acute Heart Failure), mostrou alta taxa de mortalidade intra-hospitalar nos pacientes internados com IC aguda em diferentes regiões do Brasil. Taxas que superam o dobro do registrado nos Estados Unidos e na Europa. Entre os motivos, a baixa aderência ao uso de medicamentos. Outro estudo importante (Brown MT, Bussell JK. Medication adherence: WHO cares? Mayo Clin Proc., 2011) demonstra que entre os indivíduos com doenças crônicas 50% NÃO TOMAM o remédio como prescrito. Isso inclui os medicamentos não apenas para insuficiência cardíaca, mas para pressão, colesterol e, claro, diabetes.
Entre os idosos – os mais afetados pela insuficiência cardíaca – a aderência tende a ser menor ainda, por conta da chamada “polifarmácia” (aquele monte de remédios....), que gera esquecimentos e confusões por falha na compreensão de como e porquê usar adequadamente a medicação.
Sim, a falta de aderência ao tratamento não deve ser considerada responsabilidade exclusiva do indivíduo. Segundo o estudo BREATHE, no caso da insuficiência cardíaca pouco mais da metade dos pacientes recebem orientação sobre o uso correto dos medicamentos. Mais: apenas 43% são alertados sobre como reconhecer a piora dos sintomas. E mesmo entre aqueles que passaram por internação hospitalar, só 35% recebem na alta instruções apropriadas sobre os cuidados a serem tomados.
Mas não tenho só notícias ruins. A situação do tratamento no Brasil deve sim melhorar. Recentemente, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) analisou e aprovou a proposta das Diretrizes Brasileiras para Insuficiência Cardíaca estabelecidas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). O texto tem por objetivo melhorar a atenção do indivíduo com insuficiência cardíaca, padronizando a prática e implantação das melhores condutas. Traz orientações para os profissionais de saúde sobre aspectos relacionados à classificação, ao acompanhamento e ao encaminhamento a serviços especializados para controle da doença, assim como orientações quanto ao diagnóstico e ao tratamento de insuficiência cardíaca também no âmbito ambulatorial.
Na prática, significa que os médicos e equipes de saúde, inclusive do SUS, passam a dispor de mais informações e ferramentas para prevenir e cuidar da insuficiência cardíaca.
Diante dessas informações, o que cabe ao indivíduo/paciente fazer?
  • Prevenção – valem as recomendações de sempre: alimentação saudável, peso adequado, atividade física regular, hipertensão/colesterol/glicemia sob controle.
  • Diagnóstico – fique atento aos sintomas. Em você mesmo, no seu cônjuge, irmãos, pais, amigos. A identificação precoce da insuficiência cardíaca permite tratamento adequado, redução de riscos e melhor qualidade de vida
  • Tratamento – informe-se sobre o uso adequado dos medicamentos, questione seu médico/equipe de saúde sobre os tratamento disponíveis, o agravamento de sintomas e o que fazer em situações de emergência. Principalmente, siga as orientações!!

Também na insuficiência cardíaca, informação é sinônimo de empoderamento. E empoderamento pode significar mais saúde.


terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Igual, mas nem tanto


Os cientistas Frederick Banting e Charles Best, que descobriram a insulina em 1921, venderam a patente do produto por 1 dólar para a Universidade de Toronto. O objetivo dos pesquisadores era que a insulina fosse produzida em larga escala a baixo custo, de forma a estar disponível e acessível a todos os que necessitassem.
Quase 100 anos depois, a situação não é exatamente a sonhada pelos brilhantes professores. A insulina humana, hoje produzida, é um medicamento biológico, ou seja, derivado de um processo de biotecnologia e desenvolvido a partir de organismos vivos. Depende, portanto, de um complexo processo de produção. Por isso, a fabricação está na mão de poucas empresas, que usam tecnologia de ponta para desenvolver moléculas modificadas, resultando em produtos diferenciados – insulinas de ação rápida, ultrarrápida, lenta e ultralenta. Ótimo do ponto de vista de avanços no tratamento, mas bem ruim para o bolso.
No ano passado, uma luz surgiu no final deste túnel: as insulinas biossimilares. Já ouviu falar? Pois deveria. Os medicamentos biossimilares são como cópias dos fármacos de referência. E, como são desenvolvidos depois do fim da patente do medicamento de referência, podem ser produzidos a um custo menor. Além disso, por criar concorrência, estimulam a redução de preço do produto original.
A primeira insulina biossimilar aprovada no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2017, foi a Basaglar®. Trata-se de um análogo de longa duração desenvolvido por meio da aliança firmada entre as empresas Eli Lilly e a Boehringer Ingelheim. Tem como referência a insulina glargina (Lantus®, da Sanofi).
Então, biossimilares são como os genéricos? NADA DISSO. Os biossimilares, como o nome diz, são similares, mas não idênticos aos medicamentos originais.
Explicando melhor.
Por definição, os genéricos são cópias de produtos originais constituídos por moléculas simples. Daí o processo químico de síntese consegue ser idêntico ao do produto de referência. Os medicamentos genéricos devem conter o mesmo princípio ativo e ser usados na mesma dose e via de administração do fármaco de referência. Por isso, são intercambiáveis, ou seja, podem ser usados no lugar do medicamento de referência mesmo sem expressa indicação médica.
Já os biossimilares são cópias de fármacos biológicos, moléculas complexas, instáveis e heterogêneas. E que não podem ser reproduzidas em sua totalidade. Para fabricar um medicamento biossimilar, é preciso desenvolver uma nova molécula, similar à do medicamento de referência, mas não igual.
Na prática, o que isso significa? A insulina de referência e o produto biossimilar não são intercambiáveis.
Quer dizer que não dá para trocar de insulina? Claro que sim, mas apenas com acompanhamento médico! Porque é preciso saber como o seu organismo vai responder ao medicamento. Pode funcionar da mesma forma, pode ter de mudar a dose, o horário de aplicação, pode simplesmente não funcionar.
O que não pode é mudar de produto por conta própria. Ou comprar a insulina original em um mês e a biossimilar no outro. Ou vice-versa.

A SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), em posicionamento divulgado no início do ano (Posicionamento Oficial 1/2018), recomenda “fortemente a introdução de insulinas biossimilares no mercado brasileiro”, mas ressalta que “a qualidade, eficácia e segurança das insulinas biossimilares devem ser comprovadas por seus fabricantes”. E, por isso, a entidade não recomenda a substituição automática das insulinas de referência por suas biossimilares (e vice-versa).

Na dúvida? Converse com seu médico e/ou equipe de saúde. Veja se a troca ou introdução do biossimilar se aplica ao seu caso.
A ideia é sempre aproveitar o que a tecnologia pode proporcionar para melhorar o tratamento. Mas sempre com segurança e responsabilidade.

Covid, diabetes e sedentarismo

A pandemia de covid-19 e o isolamento social dela decorrente estão fazendo mal para as pessoas com diabetes. E nada a ver com o fato de o ...