sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O mal silencioso (O coração padece – parte 3)


29 de setembro é o Dia Mundial do Coração. Criada em 2000 pela WHF (World Heart Federation) para alertar e conscientizar a população do planeta sobre a importância de manter uma boa saúde cardiovascular, não é exatamente uma data para comemorar
Segundo a Organização Mundial da Saúde, as doenças cardiovasculares vitimam 17 milhões de pessoas do planeta todos os anos. No Brasil, são a causa de 30% das mortes – em 2017, foram mais de 380 mil, uma a cada 90 SEGUNDOS. Este ano, até o momento do fechamento deste texto, foram 293 mil mortes, segundo o Cardiômetro, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (acompanhe em www.cardiometro.com.br).
No Dia Mundial do Coração não vou falar de diabetes – embora a glicemia descontrolada seja aumente as chances de problemas cardíacos. Quero conversar sobre outro grande inimigo do coração, o mais importante fator de risco para o desenvolvimento das doenças cardiovasculares: a hipertensão. Que, não por acaso, caminha de mãos dada com o diabetes: pesquisas mostram que perto de 85% das pessoas com DM2 também têm hipertensão, mais de 40% delas já quando abrem o diagnóstico de diabetes.
Cerca de 30% da população mundial é hipertensa – no Brasil, são 36 milhões de pessoas, 32,5% dos adultos e 60% dos idosos. Não controlada, a chamada doença hipertensiva isoladamente é a causa 13,8% das mortes por eventos cardiovasculares, além de responder por 54% de todos os casos de AVC (“derrame”) e 47% dos casos de infarto, fatais e não fatais, em todo o mundo.
Controlar a hipertensão é possível, mas as estatísticas são funestas: só 40% dos hipertensos fazem tratamento e apenas pouco mais de 10% conseguem ter a pressão sob controle. O motivo? A hipertensão é um mal silencioso, quase nunca apresenta sintomas. Às vezes, especialmente em níveis pressóricos mais elevados, podem surgir tontura, falta de ar, palpitações, dor de cabeça frequente e alteração na visão.
Mas afinal o que é a hipertensão? A pressão arterial é a força causada pela contração do coração e das paredes das artérias para impulsionar o sangue por todo o corpo. A pressão de até 120 x 80 mmHg (o famoso 12 por 8) é aquela que na qual o organismo foi programado para trabalhar. Se, porém, a pressão fica continuamente aumentada, órgãos como coração, cérebro, rins, olhos e as próprias artérias sofrem maior desgaste e surgem as doenças.
Obesidade, histórico familiar, estresse e envelhecimento estão associados ao desenvolvimento da hipertensão. O excesso de peso pode acelerar até 10 anos o aparecimento da doença. O consumo de sal além da conta também colabora para o surgimento da hipertensão. Isso porque o sódio contido no sal provoca edema (inchaço) das paredes das artérias, reduzindo o espaço para a circulação do sangue. Além disso, inibe a produção de óxido nítrico, substância que promove dilatação e relaxamento da parede das artérias. Com menor quantidade de óxido nítrico, mais as artérias ficam contraídas e rígidas.
Você não sabe se tem pressão alta? Bem, se você tem parentes hipertensos, está acima do peso, tem mais de 40 anos de idade, tem diabetes, colesterol elevado, fuma, tem rotina estressante (quem não??), deve medir a pressão regularmente. Veja a tabela abaixo: 

Se você já tem o diagnóstico de hipertensão, deve fazer controle periódico e seguir as orientações médicas. A maioria dos hipertensos, mesmo com hábitos saudáveis, precisa utilizar algum medicamento para controlar a pressão. O importante é que o tratamento seja feito de forma contínua, sem interrupções. Não vale parar o medicamento porque “a pressão está normal”. Também é importante realizar consultas médicas periódicas, pois podem ser necessários ajustes na medicação.
Vale também seguir os 10 mandamentos para prevenção e controle da pressão alta, preconizados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.


 Para finalizar, vou falar de diabetes: quem tem DM2 deve ter cuidado redobrado com a hipertensão. Juntas e descontroladas, essas duas condições podem fazer do seu coração uma bomba-relógio. Cuide-se!


Para saber mais:
Eu sou 12por8 - Campanha da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Vídeo Campanha Sou12por8

Posts anteriores sobre risco cardiovascular:
E o coração padece
O coração padece - parte 2 (gordura no lugar errado)

Fonte:
7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, 2016 - Sociedade Brasileira de Cardiologia.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A epidemia do sofá


A prestigiada revista científica The Lancet Global Health Journal publicou no último dia 4 de setembro um artigo alarmante: levantamento capitaneado pela Organização Mundial da Saúde constata que mais de um quarto da população adulta do planeta – 27,5% ou nada menos do que 1,4 bilhão de pessoas – são insuficientemente ativas. E, portanto, em maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, demência e alguns tipos de câncer.
Pior ainda para nós: o Brasil ocupa o 5º lugar deste ranking funesto, com o levantamento mostrando que a inatividade física atinge 47% da população brasileira – 53% das mulheres e 40% dos homens acima de 18 anos. Perdemos apenas para Kuwait (67%), Samoa Americana (53,4%),  Arábia Saudita (53,1%) e Iraque (52%)
O levantamento da OMS (Worldwide trends in insufficient physical activity from 2001 to 2016) computou dados de 358 pesquisas de 168 países, incluindo um total de 1,9 milhões de participantes. Contempla a atividade física realizada no trabalho, em casa, para transporte e durante o tempo livre.
Outro ponto preocupante: ao comparar dados de 2001 e 2016, o estudo revela que os níveis de inatividade física permaneceram estáveis. Ou seja: ao contrário de outros fatores de risco para a saúde, os níveis de inatividade física não estão caindo, como bem lembra a principal autora do estudo, Regina Guthold (OMS, Suíça). No caso do Brasil, a coisa foi um pouco pior: a taxa de inatividade cresceu mais de 15%. Crescimento similar aconteceu também na Alemanha, Bulgária, Filipinas e Singapura.


As mulheres são menos ativas do que os homens em todas as regiões do mundo: cerca de uma em cada três mulheres (31,7%) e um em cada quatro homens (23,4%) não atingem os níveis recomendados de atividade física para se manterem saudáveis. As maiores diferenças de nível de inatividade entre os gêneros foram encontradas na Ásia (sul e centro), Oriente Médio e norte da África.
As regiões do mundo com maior prevalência de inatividade são, segundo o levantamento, América Latina e Caribe (43,7%), sul da Ásia (43%) e países ocidentais de alta renda (42,3%), como Alemanha (42%), Portugal (43,4%), Itália (41,4%), Estados Unidos (40%) e Bélgica (35,7%). Aliás, nos países com população de alta renda a inatividade é duas vezes mais alta. O que pode ser explicado pela prevalência de ocupações mais sedentárias e maior uso do transporte motorizado.
O que esses números evidenciam, acima de tudo, é que alguma coisa precisa ser feita – e rapidamente – para mudar esse cenário. O artigo cita o Brasil como um dos países nos quais, devido à rápida urbanização, a adoção de políticas para estimular a atividade física da população é particularmente importante. Segundo a OMS, cabe aos países implementar políticas públicas para encorajar o uso de transporte não motorizado (como caminhada e ciclismo) e promover atividades recreativas/esportivas no tempo livre dos indivíduos, com a melhoria em infraestrutura e criação de ambientes que estimulem a atividade física -- parques, espaços públicos aberto e locais de trabalho, por exemplo. É preciso aumentar as oportunidades para que pessoas de todas as idades e habilidades sejam ativas, todos os dias.
Para isso, vale lembrar o Plano de Ação Mundial sobre Atividade Física e Saúde: More active people for a healthier world (veja Por mais pessoas ativas), lançado pela própria Organização Mundial da Saúde em junho deste ano e que será referendado na reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre Doenças Crônicas Não Transmissíveis que acontece no próximo dia 27, em Nova York. O plano é um roteiro para as intervenções necessárias em todos os países, com o objetivo de reduzir a inatividade física entre adultos e adolescentes em 10% até 2025 e 15% até 2030.
Enquanto isso, por aqui, o Brasil vive um momento em que precisa enfrentar inúmeros problemas. O sedentarismo, como se vê, é mais um, mas não menos importante. Vale descobrir o que pensam a respeito os candidatos à Presidência, Senado, Câmara de Deputados e Assembleias Legislativas estaduais.


Para saber mais:


Vídeo da campanha da OMS: Let´s be active 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Pés a salvo - parte 2


No último post, começamos a falar sobre o pé diabético. O assunto pode render muitos e muitos textos, tanto pela relevância como pela diversidade de aspectos que o envolvem.
Hoje, porém, quero falar sobre o aspecto mais pessoal, individual. Ou seja: o que cada pessoa com diabetes tipo 2 pode fazer para manter os seus pés a salvo.
Claro que ter a glicemia sob controle reduz o risco: uma queda de 40% na incidência de neuropatia, a complicação que afeta os nervos e leva à perda de sensibilidade, um dos tripés da síndrome do pé diabético. Foi o que mostrou o UKPDS (United Kingdon Prospective Diabetes Study), um dos mais importantes estudos da área.
Mas prevenir o pé diabético – e suas consequências – vai mais além. É um cuidado diário, contínuo. E está ao alcance de todos.
Vamos lá? A primeira providência: no banho, lembre-se de lavar os pés. Sim, aquela água que escorre do chuveiro não basta para limpar. Lave cuidadosamente com sabonete não abrasivo. Depois, seque muito, muito bem, especialmente entre os dedos. E hidrate – mas lembre-se de não passar o creme entre os dedos, área propícia a micoses (frieiras).
Além disso:
  • Examine meias e sapatos antes de usar.
  • Use meias de algodão, sem costuras.
  • Use sapatos confortáveis. Evite bico fino, salto alto, tiras ou partes de metal em contato com a pele.
  • Mantenha as unhas com corte reto.
Agora, o mais importante: examine os próprios pés, todos os dias! O que procurar? Micoses, escoriações, úlceras, rachaduras, calosidades, mudanças de cor ou temperatura. Ou seja, qualquer coisa fora do normal. Notou alguma anormalidade? Não tente “consertar”: nada de furar bolhas, retirar calos ou verrugas, mexer nos “cantinhos” da unha, passar lixa na rachadura, tratar a micose com aquele remédio que deu "super certo" para o vizinho. Converse com seu médico ou profissional de saúde, para que o problema seja tratado adequadamente.
E por falar em profissional de saúde: peça ao seu médico para examinar seus pés ou indicar alguém da equipe de atendimento. Existem testes para avaliar a sensibilidade (diapasão e monofilamento) e a vascularização (palpação dos pulsos) dos pés. São procedimentos simples, que podem evitar problemas bem complicados.
Caso você já tenha algum grau de neuropatia periférica, com alguma perda de sensibilidade e de vascularização, é preciso redobrar esses cuidados, para evitar o surgimento de úlceras. E, claro, controlar a glicemia para impedir o agravamento do problema.
Vale lembrar que a presença de neuropatia periférica NÃO IMPEDE a prática de atividade física. É possível fazer uma caminhada leve e não muito prolongada, exercícios na água, na bicicleta (comum ou estacionária), musculação, ioga, pilates etc., sempre com o cuidado de não haver pressão excessiva sobre os pés. A atividade física é fundamental não apenas para controlar a glicemia, mas para manter a saúde cardiovascular, melhorando o fluxo sanguíneo para os membros inferiores. Mais: o exercício garante a saúde das articulações, o que também é fundamental para prevenir que a síndrome do pé diabético aconteça ou progrida. Pouca flexibilidade nos tornozelos e nos dedos afeta a habilidade do pé de distribuir a pressão e o estresse, o que aumenta o risco de lesões.
Viu? Seus pés só precisam de um pouco de carinho e atenção. Cuide bem deles

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Pés a salvo – parte 1


O risco de amputação é, juntamente com a perda da visão, o maior medo das pessoas com diabetes, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha no último mês de maio. Não por acaso: quanto maior o tempo de diabetes – e quanto mais tempo a glicemia fica fora de controle – maior a possibilidade de surgir complicações nos pés, o chamado “pé diabético”.
O nome é horrível, não? A definição OMS (Organização Mundial da Saúde) também não é das mais reconfortantes: situação de infecção, ulceração ou também destruição dos tecidos profundos dos pés, associada a anormalidades neurológicas e vários graus de doença vascular periférica, nos membros inferiores de pacientes com diabetes mellitus..
Vamos entender: o chamado “pé diabético” pode ser considerado uma síndrome, pois é uma condição derivada da associação de diversas complicações da glicemia descontrolada.
Tudo começa com a neuropatia (leia Á flor da pele), complicação caracterizada por danos aos nervos, impedindo a transmissão de mensagens para os pés, que começam a perder sensibilidade. Ao mesmo tempo, os músculos intrínsecos do pé ficam sem o estímulo nervoso e atrofiam, causando fraqueza muscular e até mesmo dificuldades para caminhar. É alta a incidência de joanete, pé cavo e dedos em garra (os ossos, sem a força da musculatura, se deslocam de forma inadequada). Também são frequentes as rachaduras na pele, já que a neuropatia causa anidrose (menor sudorese), tornando a pele da região ressecada e mais suscetível a rupturas.
O cenário se torna então propício ao surgimento de úlceras, que podem ser causadas por traumas externos ou pela distribuição anormal da pressão interna dos ossos. A baixa sensibilidade reduz ou mesmo elimina a dor e o incômodo, o que impede atitudes protetoras, como tirar a pedrinha que está machucando no sapato ou mudar o padrão de marcha para não sobrecarregar a área ferida.
Para piorar, tem-se a doença arterial periférica, com a redução do fluxo de sangue (logo, de oxigênio e nutrientes) para os pés, intensificando os danos aos nervos e dificultando a cicatrização das úlceras.
Ruim, não é?
Pior: no mundo inteiro, a síndrome do pé diabético afeta 6,4% dos indivíduos com diabetes, segundo a IDF (International Diabetes Federation). O problema é mais frequente em homens e no diabetes tipo 2. Está ligada à idade, ao tempo de diabetes, à glicemia descontrolada e a comorbidades, como hipertensão e tabagismo.
Claro que a situação é mais problemática nos países em desenvolvimento, onde 25% das pessoas com diabetes desenvolverão pelo menos uma úlcera do pé durante a vida. O problema é que apenas 2/3 das lesões cicatrizam e 28% resultam em algum tipo de amputação. A cada ano, 1 milhão de pessoas com diabetes, de todo o planeta, perdem uma parte do pé ou perna. São 3 amputações por minuto. Uma amputação a cada 20 segundos.
Esses números alarmantes tornam o pé diabético um problema de saúde pública. É uma das complicações do diabetes que geram mais custos para o sistema de saúde, público e privado. Custos relacionados principalmente às hospitalizações, mas também com o tratamento e acompanhamento de pacientes ambulatoriais. Sem contar os custos não médicos, com perda de produtividade, compra e manutenção de órteses e próteses, assistência domiciliar e serviços sociais para pacientes que sofreram amputação.
Apesar da prevalência e gravidade, a síndrome do pé diabético continua a ser sub-diagnosticada e sub-tratada. A própria IDF alerta que poucos profissionais de saúde sabem reconhecer os sinais da neuropatia periférica e/ou como lidar e tratar o pé diabético. Estudo multicêntrico realizado no Brasil em 2006 mostra que 58% dos pacientes com DM2 atendidos em centros especializados e não especializados não tiveram seus pés examinados pelos profissionais de saúde. O estudo tem mais de 10 anos, mas a realidade não mudou muito.
O importante é saber que o problema dos pés no diabetes pode ser prevenido. E, quando aparece, o manejo correto e abrangente pode reduzir o risco de amputação e complicações em até 85%.  
Por isso, em 2017 a IDF lançou um guia com recomendações para a prevenção primária do pé diabético. O objetivo principal é conseguir a detecção precoce de problemas, evitando desfechos traumáticos. O guia, como reforça a IDF, não serve apenas para as clínicas especializadas em cuidados com os pés, mas para todos os profissionais que lidam com a pessoa com diabetes.
A ideia é que os profissionais de saúde examinem os pés do paciente, tenha ele sintomas ou não. A recomendação é que, além do exame clínico, sejam realizadas periodicamente a avaliação de sensibilidade protetora (testes diapasão e monofilamento) e avaliação de vascularização (palpação dos pulsos dos pés).
O guia da IDF lembra que é preciso identificar e tratar as úlceras e áreas pré-ulcerativas. O objetivo deve ser manter a pessoa com diabetes capaz de caminhar, não só pelos motivos óbvios, mas porque caminhar é uma forma simples e eficaz de atividade física que ajuda a controlar a glicemia.  Lembrando que a neuropatia periférica não é contra-indicação para exercício. É possível manejar o tipo, a intensidade e a duração de forma a garantir que a atividade seja realizada para prevenir inclusive o avanço da própria neuropatia.
Volto a afirmar: os problemas nos pés PODEM SER EVITADOS. Não apenas com a manutenção da glicemia sob controle, mas com uma série de cuidados com os pés. Quer saber mais? Veja no próximo post.

Fontes:

Covid, diabetes e sedentarismo

A pandemia de covid-19 e o isolamento social dela decorrente estão fazendo mal para as pessoas com diabetes. E nada a ver com o fato de o ...