sábado, 30 de junho de 2018

Os assumidos


Hoje vou falar sobre reportagem publicada no último dia 25 de junho no jornal O Estado de São Paulo sobre pessoas com diabetes que assumem sua condição (Diabéticos 'assumidos' desafiam tabus).
Muito bacana mesmo ver a história de Pablo, Luciane, Bia, Marina e Nathalia, Alessandra, Aline. Conheço essas e muitas outras histórias assim, inspiradoras. Fico feliz em ver como é possível ter diabetes e viver plenamente. Só um detalhe me deixa preocupada: TODOS os entrevistados têm DM1. Assim como a maioria dos “assumidos” que conheço. Onde estão os “assumidos” com diabetes tipo 2?
Pois é! Vale lembrar a razão de existir deste blog: fazer com que os DM2 assumam o diabetes e possam, assim, ter mais saúde. Veja o que fala, na reportagem, Pablo Silva: “Antes da doença é que eu era doente. Hoje sou saudável.” Essa é uma consequência direta da aceitação. Aceitação implica ir buscar o melhor tratamento. Portanto, melhor controle, mais saúde.
Marina de Barros, em outro trecho da reportagem, fala da importância de conectar-se com mais pessoas que têm a mesma condição.  "O outro entende o que você está sentindo. Tem os mesmos medos e aflições”, diz ela. Pablo Silva lembra, ainda na reportagem, que a rede de pessoas que optam por tornar pública a vida com diabetes tem aumentado, o que resulta em mais informação e empoderamento.
Não estou dizendo que todos os que têm diabetes tipo 2 não assumem a condição. Nem que seja fácil.  “Temos vários momentos de rebeldia. É mais fácil tentar esquecer que se tem um problema”, lembra, na reportagem, a jovem Aline Stein.
Por isso, lanço um desafio: vamos fazer uma reportagem como essa do Estadão só com DM2? Você tem diabetes tipo 2, é assumido, combativo, empoderado? Lida bem com o diabetes, pelo menos boa parte do tempo? Mande sua mensagem aqui no blog ou na página @dm2foradoarmario no FaceBook e conte a sua história. Vamos mostrar para todos os que têm DM2 que sair do armário é possível. E pode ser muito bom.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Sem bola de cristal - parte 2


No último post, falamos sobre a importância da automonitorização da glicemia para o bom controle do diabetes. Testes diários e programados permitem saber qual a resposta glicêmica do organismo às mais diversas situações do cotidiano.
A monitorização é feita por meio do teste de glicemia capilar, que recebe este nome porque usa o sangue dos capilares sanguíneos, vasos muito finos que existem nas extremidades do corpo, como a ponta dos dedos. O sangue coletado é testado em um aparelho chamado glicosímetro ou monitor de glicemia. Existem várias marcas no mercado. A primeira coisa a fazer se você está começando agora na aventura da automonitorização é LER O MANUAL DO APARELHO. Nada melhor para saber como aquele objeto funciona.
No geral, porém, o esquema para fazer o teste é simples e segue os seguintes passos:

Higienização – lave as mãos antes do teste. Com água e sabão/sabonete. Se não for possível, pode usar álcool. O ideal é usar aqueles sachês com pequenos lenços embebidos em álcool (álcool swabs). O álcool em gel nem sempre é indicado, porque em geral contém algum tipo de hidratante na composição, o que pode interferir no resultado do teste. Lavando ou usando álcool, espere que os dedos estejam bem secos antes de fazer a punção.

Preparação do lancetador – Insira uma lanceta nova no lancetador. Sim, tem de trocar a lanceta TODAS AS VEZES. Vai doer menos e preservar o tecido dos dedos. Ajuste a intensidade do lancetador. O furo pode ser mais superficial ou mais profundo, dependendo da sensibilidade individual. Use a menor intensidade possível para conseguir uma gota de sangue. Arme o lancetador (veja como no Manual).

Preparação do glicosímetro – Confira, no Manual, se o glicosímetro que você está usando precisa de calibração. Alguns têm um chip a ser inserido específico para cada caixa de tiras. Outros pedem que seja registrado um número referente ao lote de tiras. Outros ainda não precisam de calibração. Verifique se as tiras-teste estão dentro da data de validade. NÃO USE TIRAS VENCIDAS. Retire apenas uma tira da embalagem e insira no glicosímetro (veja como no Manual).

Punção – Embora o teste de glicemia capilar seja conhecido informalmente como “ponta de dedo”, este é um apelido incorreto. Na verdade, o furinho deve ser feito na lateral do dedo. É menos dolorido e permite que se tenha mais locais para fazer o rodízio das punções. Coloque o lancetador na lateral do dedo e acione. Não fique com medo: dói menos do que parece. Se o sangue não sair imediatamente, evite ficar “ordenhando” o dedo. Aperte delicadamente. Caso o sangue não saia, repita o processo.
 Teste – Coloque a gota de sangue na área reagente da tira-teste (veja como no Manual). Aguarde o resultado. Esse tempo depende de cada aparelho.
Descarte – Tiras e lancetas não podem ser descartadas no lixo comum. Existem embalagens hospitalares específicas para esse fim (o nome técnico é coletor de material perfurocortante). Mas você pode utilizar uma embalagem rígida, com tampa rosqueada e ampla (embalagens de amaciante são bem indicadas).
E o que fazer com o resultado? Atualmente, não é mandatório anotar o resultado dos testes. Os glicosímetros têm memória e os dados podem ser baixados para o seu computador e/ou o do médico. Mas, embora pareça anacrônico, o diário ou “caderninho” de glicemia pode sim ser bem útil. Porque permite de certa forma “materializar” os resultados, tornar visual o que anda errado.
Por exemplo, veja o diário abaixo:
  

 Só de bater o olho já dá para perceber que o problema no controle está na hora do almoço. Daí, o que fazer? Checar a alimentação, incluir atividade física pela manhã, conversar com o médico para fazer alterações na medicação. E por aí vai. Sem contar que no diário é possível anotar as excepcionalidades, como “festa”, “dormi mal”, “almocei tarde”, “gripe”, “aniversário no escritório”, “dia estressante”, “pizza” etc.
Em qualquer hipótese, papel ou download, o importante é mostrar os resultados para o médico e/ou equipe de tratamento. São esses os dados que vão revelar se o tratamento está indo bem, se alguma coisa pode melhorar e onde pode melhorar.
A partir da automonitorização, avalie o que você fez ou deixou de fazer. No dia em que a glicemia subiu e também quando tudo deu certo. Use os dados dos testes como ferramenta de autoconhecimento.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Sem bola de cristal


A monitorização da glicemia é a principal ferramenta de autoconhecimento para quem tem diabetes. Ninguém tem bola de cristal para saber como estão os níveis de açúcar no sangue. Não adianta jogar búzios, tirar tarô ou chamar o síndico: para conferi a glicemia, só com o furinho no dedo.
O teste de glicemia capilar – chamado informalmente de “ponta de dedo” – reflete o nível glicêmico atual e instantâneo. Ou seja, o número que aparece no aparelhinho é o tanto de açúcar que tem no sangue no momento exato do teste. Como uma fotografia.
Feito rotineiramente, o teste permite que a pessoa com diabetes avalie sua resposta individual à terapia e se os alvos glicêmicos estão sendo alcançados. O respaldo é oficial: a influente American Diabetes Association (ADA) considera a automonitorização glicêmica como parte integrante do conjunto de intervenções e como componente essencial de uma efetiva estratégia terapêutica para o controle adequado do diabetes. Os resultados da automonitorização devem ser integrados ao gerenciamento do diabetes de forma a orientar a alimentação e a prática de atividade física, prevenindo hipoglicemias e permitindo ajustes nos medicamentos.
Mesmo sendo assim tão importante, é uma ferramenta subutilizada, especialmente pelas pessoas com DM2. No diabetes tipo 1, a automonitorização é essencial para ajuste de doses de insulina. Mas não dá mais para questionar se monitorar é útil no DM2. Ok, não é preciso fazer 6 a 8 testes por dia, como no diabetes tipo 1. O que fazer, então?
Não existe um consenso entre os especialistas sobre qual o esquema ideal de automonitorização da glicemia para o diabetes tipo 2. As diretrizes sobre as frequências recomendadas e os horários para a realização dos testes variam entre as entidades científicas internacionais. Talvez por isso, o que se vê na prática é que a maioria das pessoas com DM2 não tem ideia do que acontece com a glicemia durante o dia. Em geral, realizam testes isolados e esporádicos. Na melhor das hipóteses, fazem o teste apenas pela manhã, em jejum. O que, na prática, pouco serve para avaliar o controle glicêmico. Ou avalia apenas um aspecto do controle.
Mas o consenso existe sobre a necessidade de maior frequência de testes e em horários diferentes, além do jejum. Principalmente antes (glicemia pré-prandial) e depois das refeições (pós-prandial, teste realizado 2 horas depois do início da refeição). As pesquisas mostram que a glicemia alta nesse período pós-prandial é um fator independente de risco para as complicações macrovasculares (especialmente doença cardíaca), trazendo maior perigo também para retinopatia, câncer e comprometimento da função cognitiva (em idosos). O alerta vem da International Diabetes Federation (IDF).
Daí porque cada pessoa com diabetes tipo 2 deve encontrar, junto com a equipe médica, qual a frequência de testes mais recomendada e a mais viável para o seu caso. Deve ser levado em conta, na hora de definir o esquema de automonitorização da glicemia, quais as condições clínicas específicas de cada pessoa e de cada momento do tratamento.
A Sociedade Brasileira de Diabetes, no seu posicionamento oficial sobre a Conduta Terapêutica no Diabetes Tipo 2, de 2018, recomenda a prática da automonitorização de acordo com a tabela abaixo: 

E então? Vamos começar a monitorar a glicemia? Não desperdice um recurso tão fundamental para seu autoconhecimento. E, portanto, para a sua saúde.
Para ajudar, no próximo post vamos conversar sobre como realizar o teste e como usar os resultados para melhorar o seu tratamento.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

O coração padece - parte 2 (gordura no lugar errado)


Recentemente, falei aqui sobre a relação entre diabetes e doenças do coração.  Sobre como a glicemia alterada pode aumentar as chances do desenvolvimento de doenças cardiovasculares (Leia E o coração padece).
Se por si só o descontrole glicêmico traz risco, pior é quando existe uma comorbidade, outra condição para colocar o coração em perigo ainda maior.
Uma das mais comuns e insuficientemente consideradas é a dislipidemia, caracterizada pela presença de níveis elevados de lipídios (gorduras) no sangue. Ou seja, níveis elevados de triglicérides e colesterol. O que é comum entre no DM2. Um estudo realizado na Alemanha com cerca de 1.200 pessoas com diabetes tipo 2 mostrou que quase 55% tinham dislipidemia e, desses, apenas 23% conseguiam atingir as metas com relação ao perfil lipídico.
As principais gorduras que circulam no sangue são:
·         Triglicérides: Moléculas formadas por ácidos graxos (gordura) e glicerol (um álcool). Têm a função de armazenar energia. O aumento de triglicérides é a alteração de gorduras sanguíneas mais frequente no diabetes tipo 2. Especialmente porque a resistência à insulina eleva a concentração de triglicérides no sangue.
·         LDL-c: lipoproteína de baixa densidade. Como próprio nome diz, é uma molécula composta de gordura e proteínas carregadoras (já que, sozinha, a gordura não se mantém no meio aquoso do plasma/sangue). É o chamado colesterol ruim. Transporta o colesterol produzido no fígado e intestino para as membranas celulares. Em excesso, tem potencial antiinflamatório e aterogênico, ou seja, favorece a formação dos ateromas, as placas de gordura que se prendem ao endotélio, o revestimento interno das artérias.

·         HDL-c: lipoproteína de alta densidade. Também uma molécula de gordura e proteínas. Tem a função de remover o excesso de colesterol dos tecidos e levar para o fígado, onde é degradada. Tem função protetora nos vasos.


Hoje, o foco do tratamento da dislipidemia está em manter o LDL-c dentro das metas terapêuticas. O que é ainda mais mandatório para os indivíduos com diabetes. Isso porque a glicemia elevada provoca a chamada glicação do LDL-c. É uma reação química que tem como primeira consequência o aumento da meia-vida do LDL-c. Ou seja, o tal colesterol ruim fica mais tempo circulando e fazendo estrago. Sim, porque esse processo de glicação também facilita a oxidação da molécula, aumentando o potencial de agressão ao endotélio e de formação de ateromas. Sempre lembrando que são essas placas de gordura que podem provocar os chamados eventos cardiovasculares, como infarto e AVC (acidente vascular cerebral ou derrame).
Por isso para as pessoas com diabetes o risco é maior mesmo com igual grau de dislipidemia de uma pessoa sem diabetes.
O tratamento intensivo para redução de LDL-c é o melhor caminho para a prevenção de problemas cardíacos. Diversos estudos já demonstraram redução significativa dos eventos cardiovasculares agudos naqueles que atingiram alvos mais rigorosos de LDL-c.
Veja as metas terapêuticas preconizadas pela SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia):


Qual o seu risco cardiovascular? Essa avaliação é feita pelo médico, preferencialmente um cardiologista. Para ter uma idéia, você pode usar a Calculadora para Estratificação de Risco Cardiovascular da SCB,
Mas saiba que, por causa de tudo que foi dito acima, quem tem diabetes é em geral considerado um paciente de alto risco cardiovascular pelo simples fato de ter diabetes. Se já tiver sofrido algum evento ou tem diagnóstico de cardiopatia, vai para a categoria de risco muito alto. Nos dois casos, devem ser mantidas metas restritas com relação aos lípidios sanguíneos, de acordo com a tabela da SBC.
E o tratamento? As estatinas são os principais medicamentos utilizados para combater o colesterol elevado. Atuam no fígado, inibindo a síntese de colesterol. Existem nada menos do que 7 tipos de estatina, que variam de potencial de ação. Para complicar, a resposta ao tratamento com estatina varia de indivíduo para indivíduo. Daí porque é recomendada reavaliação a cada três meses (exames de laboratório), para garantir a manutenção das metas.
Para aqueles que, mesmo fazendo uso da estatina, continuam fora da meta, o tratamento deve ser intensificado. As diretrizes atuais da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) propõem três estratégias: 1) aumentar a dose da medicação em uso; 2) trocar a estatina por outra mais potente; ou 3) associar a estatina com outro fármaco, a ezetimiba, que reduz a absorção intestinal do colesterol. Existe ainda uma nova classe de medicamentos para baixar o colesterol, os inibidores da PCSK9. Ao bloquear essa proteína, o remédio aumenta a capacidade do fígado de reduzir o LDL-c. É um medicamento injetável e de custo elevado, mas que pode ser eventualmente considerado para pacientes de muito alto risco que não conseguem atingir as metas mesmo com o uso intensivo de estatinas.
E então? Já mediu seu colesterol este ano?




terça-feira, 12 de junho de 2018

De olho no olho



Um dos grandes medos de quem recebe o diagnóstico de diabetes é o risco de cegueira. O receio não é infundado: os olhos, mais especificamente a retina, são alvos da glicemia descontrolada. A retinopatia diabética é a complicação microvascular (dos pequenos vasos) mais comum no diabetes e é a principal causa de cegueira em adultos de 20 a 74 anos.
A retina é a camada mais interna do olho, responsável pela formação das imagens enviadas ao cérebro. A retinopatia é uma lesão degenerativa que ocorre quando o excesso de glicose no sangue danifica os vasos sanguíneos ali localizados, que são bem fininhos.
Cerca de 60% das pessoas que têm diabetes tipo 2 há mais de 20 anos apresentam algum grau de retinopatia. O risco é maior na presença de tabagismo, pressão alta e colesterol elevado.
A retinopatia diabética pode ser classificada como não proliferativa ou proliferativa.
·         Não proliferativa: é o estágio inicial da doença. Surgem pequenas dilatações nos vasos (chamadas de microaneurismas). Em estágios mais avançados (fase não proliferativa moderada e severa), ocorrem pequenas hemorragias e obstrução de alguns vasos sanguíneos.
·         Proliferativa: é o estágio mais avançado e perigoso. Caracteriza-se pelo aparecimento de novos vasos sanguíneos na retina. Isso acontece como resultado do aumento da obstrução desses vasos, o que deixa algumas áreas da retina sem suprimento de sangue e, consequentemente, sem oxigênio e nutrientes (isquemia). Estas áreas isquêmicas podem então estimular a formação de novos vasos sanguíneos. Esses neovasos surgem sem causar qualquer sintoma. Mas são frágeis e podem se romper, provocando hemorragia vítrea. Também podem causar deslocamento da retina e glaucoma neovascular. Cerca de metade das pessoas com retinopatia proliferativa desenvolve edema macular, inchaço da mácula (pequena área no centro da retina responsável pela visão central) pelo acúmulo de líquido.

Sim, parece um show de horrores. Mas vamos às boas notícias:
1.       É possível PREVENIR o surgimento da neuropatia.
2.       É possível controlar o DESENVOLVIMENTO da retinopatia já instalada.
3.       É possível TRATAR a retinopatia em quase todos os estágios.
Como? Controlar a glicemia é o primeiro passo. De acordo com um dos principais estudos sobre diabetes já realizados, o DCCT (Diabetes Control and Complications Trial), cada 1% de redução da hemoglobina glicada reduz em 35% o risco de aparecimento da retinopatia e em 39% a progressão da complicação. Também é importante manter a pressão e o colesterol sob controle. E, claro, parar de fumar.
Outro cuidado fundamental: fazer exames oftalmológicos regulares. Claro que você deve procurar um médico ao primeiro sinal de dificuldade para enxergar. Mas não basta: a retinopatia pode se instalar sem apresentar sintomas. E o risco de cegueira pode ser reduzido a menos de 5% com diagnóstico precoce e tratamento adequado.
Quem tem DM2 deve fazer o primeiro exame dos olhos já no diagnóstico do diabetes. E repetir o exame TODO ANO – o intervalo entre os exames deve ser menor se houver alguma alteração na retina. A visita ao oftalmologista também é importante porque catarata, glaucoma e outras patologias oculares também são frequentes e precoces nas pessoas com diabetes.
Já fez seu exame este ano?

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Melhor no prato


A relação entre o consumo de suplementos de ômega 3 e as doenças cardiovasculares foi alvo de uma meta-análise publicada recentemente no Jama Cardiology, uma importante revista científica internacional. Meta-análise é um estudo de grande porte, que analisa diversas pesquisas sobre o mesmo assunto. Nesse caso, foram compilados 10 ensaios clínicos envolvendo quase 78 mil pacientes de todo o mundo, acompanhados em média por mais de 4 anos.
O resultado surpreendeu: a suplementação de ômega-3 (origem marinha) de nada serviu no sentido de prevenir o desenvolvimento de doenças do coração. Não houve redução significativa em mortes por doença coronariana, infartos não fatais ou qualquer evento cardiovascular, tanto na população em geral como nos subgrupos avaliados – incluindo pacientes de risco, como pessoas com antecedentes de doença cardíaca, diabetes e dislipidemia.
O ômega 3 é um ácido graxo essencial poli-insaturado. Ou seja, é uma molécula de gordura que o organismo não é capaz de produzir e que pertence à classe dos poliinsaturados, considerados benéficos para a saúde em geral, em especial do sistema cardiovascular. Isso principalmente por seu poder anti-inflamatório. Está presente principalmente em peixes como salmão, sardinha e atum. Também na linhaça, na chia e nas nozes.
Há tempos as pesquisas mostram os benefícios do ômega-3 para os vasos sanguíneos. Afinal, esse ácido graxo é um dos elementos-chave da chamada Dieta Mediterrânea, por si só capaz de reduzir em 30% o risco cardiovascular. Mais: a simples substituição parcial das gorduras de origem animal pelas poli-insaturadas diminui o risco em 17%.
Tudo estava errado então? Não! O que esse estudo mostra é que a suplementação de ômega-3 traz pouco ou nenhum resultado. Não o ômega-3 em si. Aí está a chave: não basta tomar um comprimido com o tal ingrediente milagroso, especialmente se você não abrir mão do consumo regular de picanha, presunto, manteiga, leite integral, por exemplo. É preciso mudar o estilo de alimentação. O ômega-3 consegue atuar e trazer benefícios dentro de uma dieta ao estilo da Mediterrânea ou similar, ou seja, caracterizada por um maior ingestão de legumes, frutas, grãos, nozes e pouco consumo de carne vermelha, leite, ovos e queijos.
Difícil? Com certeza. Mas longe de ser inviável. Uma dica: imponha-se algumas metas. Pode ser comer mais legumes, trocar a carne por peixe pelo menos 2 vezes na semana, substituir o biscoitinho do lanche da tarde por um pacote de nozes e amêndoas. Depois reduza o consumo de embutidos, opte por carnes mais magras e por aí vai. Aos poucos acostume seu corpo a novos padrões alimentares.
Experimente!



terça-feira, 5 de junho de 2018

Já dizia Sushruta




Hoje vou falar sobre meu assunto predileto: atividade física. Sou apaixonada pela prática e uma entusiasta do uso do movimento como ferramenta de saúde e bem-estar.
Mas não vou ficar aqui discorrendo sobre todos os benefícios da prática regular de exercícios. Até porque acredito que não haja ninguém que conteste essas evidências já tão difundidas.
O que eu quero é mostrar porque a atividade física e o estilo de vida ativo são reconhecidamente pilares do tratamento do diabetes. Especialmente para o DM2. E não é de hoje. O médico indiano Maharshi Sushruta, um dos fundadores da tradicional medicina Ayurveda, lá pelos anos 600-400 a.C já preconizava o uso do exercício como tratamento do diabetes.
Passaram-se 2.500 anos e hoje a ciência sabe como a atividade física pode contribuir para controlar a glicose sanguínea. 
Os efeito agudos (imediatos) do exercício sobre a glicemia são:
·         Maior captação de glicose pelos músculos durante a atividade. Inclusive independente de insulina! Isso mesmo: as células musculares possuem estruturas (proteínas transportadoras de glicose) capazes de, na presença da contração muscular, trazer a glicose para dentro da célula.
·         Maior captação de glicose depois da atividade. Sim, a absorção de açúcar pelas células permanece elevada de 24 a 48 depois de terminado o exercício. Isso porque o organismo precisa repor os estoques de glicogênio (que é a forma como a glicose é armazenada), tanto no tecido muscular quanto no fígado.
Duvida? Faça um teste de glicemia capilar antes e depois de uma sessão de atividade física. Pode ser uma caminhada ou um treino leve de musculação. Repita algumas horas depois e compare com os dias em que você apenas ficou sentado na frente do computador....
Mas melhor ainda do que a ação imediata da atividade física é o seu principal efeito crônico, ou seja, aquele resultante da prática regular: o aumento da sensibilidade à insulina. Já falei aqui (veja em Não é pouca coisa https://bit.ly/2kUfztP) que uma das principais características do diabetes tipo 2 é a resistência à insulina, que se dá principalmente pela redução nas células do número de receptores do hormônio produzido pelo pâncreas. Pois bem, a atividade física regular aumenta o número desses receptores, reduzindo a resistência. Sabe o que isso quer dizer? Que para o DM2 exercício é remédio! Isso sem contar os benefícios para o coração, o maior afetado pela glicemia descontrolada.
Motivos não faltam para levar para a rua ou à academia todos os que têm diabetes tipo 2. Mas a realidade não é animadora. Se o sedentarismo é alarmante em toda a população, entre as pessoas com diabetes a inatividade é ainda maior.
Vou falar muito ainda por aqui sobre atividade física – modalidades, benefícios, cuidados, indicações, o que fazer, como fazer.
Mas se você ainda é do time do sofá, não precisa esperar por novos textos. Que tal tentar incorporar movimento ao seu dia a dia? Suba escadas, pare o carro em um local mais distante, desça do ônibus um ponto antes, vá a pé! Pense no seu cotidiano e veja como torná-lo mais ativo. A Organização Mundial da Saúde preconiza 30 minutos diários de atividade física, contínuos ou não, a maioria dos dias da semana. Para começar, nem precisa tanto: planeje 5 ou 10 minutos de movimento por dia e vá evoluindo aos poucos.
Lembre-se: exercício é remédio. Não deixe de tomar a sua dose.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Na luta pela mudança de rotulagem


Consultar rótulos é uma atitude a favor do autocuidado. Saber o que contém o alimento que se vai consumir é o que determina as escolhas alimentares. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) entende que rótulos compreensíveis podem ser uma ferramenta útil para orientar as pessoas em suas escolhas alimentares e ajudá-las a decidir por opções mais saudáveis.
Mas os rótulos hoje disponíveis não ajudam. Em pesquisa realizada pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) no ano de 2016, mais de 70% dos participantes disseram ter dificuldade para compreender os rótulos dos produtos. Não é para menos: além da letra miúda, as informações nem sempre são claras e por vezes parecem pouco confiáveis.
Por conta disso e por saber como a alimentação inadequada tem sido um fator determinante para o aumento de diversas doenças – como obesidade, diabetes, hipertensão –, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) está empenhada na mudança da rotulagem dos alimentos industrializados. Os objetivos: facilitar a compreensão das principais propriedades nutricionais e reduzir as situações que geram engano quanto à composição dos produtos, além de estimular a indústria a tornar seus produtos mais saudáveis.
No último dia 25 de maio, a entidade aprovou relatório preliminar da Análise de Impacto Regulatório sobre mudanças nas regras para a rotulagem. Do grupo de trabalho, participaram representantes do setor produtivo, governo, sociedade civil e universidades, além da OPAS (Organização Panamericana de Saúde) e OMS.
A principal mudança em vista é a adoção de uma rotulagem nutricional frontal obrigatória, em complementação à tabela nutricional, que informe o alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, “de forma simples, ostensiva, compreensível”.  Ou seja, seriam selos de advertência para comunicar aos consumidores os riscos potenciais daquele alimento. Mais de 40 países já possuem algum modelo de rotulagem frontal implementado. Entre eles Chile, Peru, Israel, Uruguai, Canadá.
A proposta encabeçada pelo IDEC é um modelo de rotulagem nutricional frontal que utiliza triângulos de cor preta em fundo branco, para informar além do alto conteúdo de açúcares, gorduras totais, gorduras saturadas e sódio, também a presença de gorduras trans e edulcorantes (adoçantes). Mas existem outros modelos em avaliação pela ANVISA (veja abaixo):


O modelo de perfil nutricional que deve ser utilizado na rotulagem nutricional frontal deve seguir a seguinte classificação (em 100g ou 100ml de alimento):
- alto teor de açúcares adicionados: 10g para sólidos e 5g para líquidos
- gorduras saturadas:  4g para sólidos e 2g para líquidos
- sódio: 400mg para sólidos e 200mg para líquidos.

O IDEC e a UFPR (Universidade Federal do Paraná) propõem a seguinte classificação:

                                          VET: Valor Energético Total (diário)

O relatório também prevê mudanças na tabela nutricional e nas chamadas alegações nutricionais, que são aquelas informações que o fabricante coloca para promover o produto.
Agora, com o relatório preliminar aprovado, o estudo para proposição de novas regras para a rotulagem de alimentos segue para  etapas de participação social: até 9 de julho, será realizada a Tomada Pública de Subsídio (TPS), mecanismo de consulta aberta à sociedade que tem o objetivo de coletar dados e críticas fundamentadas sobre a análise no relatório/estudo realizado; e pesquisas com a população sobre os modelos selecionados como possibilidades para a solução de problemas referentes à rotulagem. Depois disso, haverá uma consulta pública proposta de regulamento. Mais uma oportunidade para participação social.

Quer participar? Assine a petição disponibilizada pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável em WWW.direitodesaber.org.

Veja mais em:


E assista:



Covid, diabetes e sedentarismo

A pandemia de covid-19 e o isolamento social dela decorrente estão fazendo mal para as pessoas com diabetes. E nada a ver com o fato de o ...