terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Quer remédio? Exercício e comida saudável


 A importância de se adotar um estilo de vida saudável, com alimentação equilibrada e atividade física regular, já se provou mais do que eficiente na prevenção e controle de doenças crônicas, entre as quais o diabetes tipo 2. O chamado “tratamento não medicamentoso” ganha força nos dias atuais, nos quais a população do planeta se mostra cada vez mais doente em função da epidemia de sedentarismo e consumo exacerbado de alimentos ultraprocessados.
Portanto, não é por acaso que algumas instituições pelo mundo – infelizmente ainda poucas – resolveram apostar fortemente nos hábitos saudáveis não apenas como coadjuvante no tratamento: comida saudável e exercício físico começam a ser prescritos como medicamentos.
Reportagem publicada recentemente na revista norte-americana Time fala sobre as iniciativas nesse sentido de alguns grupos de saúde dos Estados Unidos. O mais notável é o programa implementado pelo Geisinger Health Systems desde 2016. Chamado de Fresh Food Farmacy, se define como “uma nova abordagem da medicina que usa uma abordagem muito antiga” com o objetivo de capacitar os participantes a gerenciar suas condições de saúde a partir de mudanças de comportamentos.
Qual a novidade? Aqui, não se trata de recomendar uma dieta saudável ou prescrever um plano alimentar. O programa fornece alimentos saudáveis para os pacientes com diabetes tipo 2 e os ensina a incorporar esses alimentos no dia a dia. Os resultados impressionam: os atendidos reduziram as internações em 70% e mostram 40% menos riscos de complicações graves do diabetes.
A iniciativa do Geisinger Health Systems é, segundo a reportagem da Time, um exemplo de alguns dos programas existentes hoje no Estados Unidos que finalmente passaram a considerar a alimentação como elemento crucial do tratamento do diabetes. E usam os alimentos como remédios, com ação tão poderosa quanto a das drogas. Há casos de hospitais e clínicas que entraram em acordo com produtores locais de frutas, verduras e legumes para que concedam descontos para quem tem uma “prescrição” médica, com receita assinada e tudo, para o consumo desses alimentos.
Como diz o dr. Jaewon Rynm, CEO da Geisinger: “Priorizar a comida e ensinar as pessoas a preparar refeições saudáveis pode ser mais impactante do que as próprias medicações”. Mais: as empresas de saúde estão percebendo que usuários mais saudáveis não apenas vivem mais (e pagam por mais tempo) como visitam menos os pronto-socorros e hospitais.

Outra iniciativa notável vem da Europa, mais precisamente de Portugal. O país acaba de lançar um projeto-piloto para prescrever, em 14 hospitais de rede pública, a prática de atividade física como tratamento complementar para doentes crônicos. Os pacientes terão plano de exercícios individualizado e participarão de sessões de atividade supervisionadas. O programa deve beneficiar cerca de 3 mil pacientes em todo o país.
O Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física terá ação multidisciplinar, com o envolvimento de médicos, educadores físicos, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros e psicólogos. Os resultados serão acompanhados durante 12 meses. E, se os ganhos forem positivos, como se imagina, o programa poderá ser expandido para outros hospitais portugueses.
Bons exemplos, não é mesmo? Vamos esperar que os resultados sejam de fato expressivos e possam inspirar cada vez mais profissionais e empresas em todo o mundo.


Saiba mais:

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Comida de mentira mata sim!

Artigo publicado recentemente pela revista científica JAMA (Journal of the American Medical Association) confirma o que já se sabia na prática: os alimentos industrializados para gerar um incremento de 14% no risco de mortalidade por todas as causas.
ultraprocessados fazem mal à saúde. Segundo o estudo, que acompanhou 44.550 mil adultos (acima de 45 anos) durante mais de 7 anos, basta um aumento de 10% no consumo desses produtos
O estudo mostra ainda que quem consome mais alimentos ultraprocessados são os mais jovens, com menor renda, nível educacional mais baixo, que moram sozinho, com maior IMC (Índice de Massa Corporal) e menor nível de atividade física.
Mas afinal o que são alimentos ultraprocessados? Bem, começando do começo: segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, documento lançado em 2014 pelo Ministério da Saúde, os produtos alimentícias podem ser divididos em quatro tipos, de acordo com o nível de processamento:
  • Alimentos in natura: aqueles obtidos diretamente das plantas ou animais, como folhas, frutas, legumes, ovos. São adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza.
  • Alimentos minimamente processados: são alimentos in natura que, antes de chegar ao mercado, foram submetidos a alterações mínimas.  São os grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado. Aqui também podem ser incluídos alguns produtos in natura ou extraídos diretamente da natureza e usados pelas pessoas para temperar e cozinhar, como óleos, gorduras, açúcar e sal.
  • Alimentos processados: produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado, como legumes em conserva, frutas em calda, queijos e pães.
  • Alimentos ultraprocessados: produtos cuja fabricação envolve diversas etapas e técnicas de processamento e vários ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial. Os exemplos clássicos são refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, margarina e macarrão instantâneo. A maioria dos ingredientes dos produtos ultraprocessados corresponde a aditivos que têm como função estender a duração dos produtos e dotá-los de propriedades atraentes (cor, aroma, sabor, textura)
A recomendação do mesmo documento do Ministério da Saúde é clara:
  •      alimentos processados: LIMITAR
  •         alimentos ultraprocessados: EVITAR

Por que limitar o consumo de alimentos processados? Embora o alimento processado mantenha a identidade básica e a maioria dos nutrientes do alimento original, ingredientes e métodos de processamento utilizados na fabricação alteram de modo desfavorável a composição nutricional. Em geral, o alimento perde água e sofre a adição de sal, açúcar ou óleo, quase sempre em quantidades significativas. Assim, o leite vira queijo, a frutas ganha calda, legumes são conservados em sal, peixes embebidos em óleo. Mas não precisa cortar os alimentos processados do seu plano alimentar. A proposta é limitar o consumo a pequenas quantidades, usando-os como ingrediente de preparações culinárias ou acompanhamento. Também vale consultar os rótulos, dando preferência aos produtos com menor teor de ingredientes nocivos.
Já com relação aos alimentos ultraprocessados, a regra é EVITAR. Por quê? Principalmente porque são nutricionalmente desbalanceados. Incluem quantidades excessivas de sal, açúcar e/ou gordura (em geral, aquelas do tipo pior para a saúde do coração) e, por outro lado, são pobres em fibras, vitaminas e minerais. Sem contar a presença de ingredientes sintetizados em laboratório de uso exclusivamente industrial.  Os tais aditivos, conservantes, estabilizantes etc. Em geral, também são altamente calóricos – no caso, calorias vazias.
Exemplos de produtos ultraprocessados? Vários tipos de biscoitos, balas, sorvetes, bebidas adoçadas (com açúcar ou adoçantes artificiais), pós para refrescos, embutidos, produtos congelados prontos para aquecer, produtos desidratados (como misturas para bolo, sopas em pó, tempero pronto), salgadinhos de pacote, cereais matinais, barras de cereal, bebidas energéticas, bebidas lácteas adoçadas e aromatizadas, entre muitos outros. Pães e produtos panificados podem ser tornar alimentos ultraprocessados quando, além da farinha de trigo, leveduras, água e sal, seus ingredientes incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos.

Dica importante: leia os rótulos e consulte a lista de ingredientes. Se forem cinco ou mais, desconfie. Especialmente se constar substâncias com nomes estranhos e não usadas em preparações culinárias (gordura vegetal hidrogenada, óleos interesterificados, xarope de frutose, isolados proteicos, agentes de massa, espessantes, emulsificantes, corantes, aromatizantes, realçadores de sabor). Nesse caso, fuja!
Em síntese, nada melhor do que comida de verdade.  A base da alimentação – já recomenda o Guia Alimentar para a População Brasileira – deve estar nos alimentos in natura ou minimamente processados. As dicas do Guia:
  • Tome água ou leite no lugar de refrigerantes e bebidas lácteas
  • Coma frutas ao invés de biscoitos recheados
  • Não troque a “comida feita na hora” (caldos, sopas, saladas, molhos, macarronada, refogados de legumes e verduras, farofas, tortas) por produtos que dispensam preparação culinária (“sopas de pacote”, “macarrão instantâneo”, pratos congelados prontos para aquecer, frios e embutidos, maioneses e molhos industrializados, misturas prontas para tortas)
  • Fique com sobremesas caseiras, dispensando as industrializadas
Em tempo: essas recomendações não são específicas para quem tem diabetes. Mas caem como uma luva para aqueles que já convivem com uma condição que, se não controlada, pode trazer riscos. Atenção inclusive para muitos produtos aparentemente saudáveis. Aquele bolo de fubá, receita consagrada da sua tia mineira, pode ser uma opção bem melhor do que o bolo diet industrializado. Moderação e bom senso, sempre.
E viva o arroz com feijão!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Descontrole na pele


De repente, a glicemia começa a subir sem motivo. Você não abusou da comida e usou a dose de insulina de sempre. Mas os números passam a ser cada vez mais altos. Você aumenta um pouco a insulina. E nada.... O diabetes piorou? É preciso aumentar ainda mais as doses da medicação?
Pois é, pode não ser nada disso. Pode ser lipodistrofia. Já ouviu falar?
Lipodistrofia é uma alteração no tecido subcutâneo que surge em função de erros na aplicação de insulina. O tipo mais comum de lipodistrofia é a lipo-hipertrofia, quando há acúmulo de gordura nos locais mais frequentemente usados para a aplicação, formando nódulos endurecidos sob a pele, visíveis e/ou palpáveis, dolorosos ou não.
Sim, a pele pode ficar bem feia. Mas a lipodistrofia NÃO É um problema estético. É um problema de saúde. Porque provoca o descontrole da glicemia. Como funciona? A absorção de insulina nos locais com lipodistrofia é imprevisível. Em alguns casos, pode ocorrer hipoglicemia. Em geral, porém, a absorção é insuficiente e a glicemia sobe.
Isso quer dizer que muitas vezes, quando a glicemia está descontrolada, não significa que você comeu demais ou que a dose de insulina precisa ser modificada!
A lipo-hipertrofia acomete 56% das pessoas com diabetes tipo 2 que usam insulina. A boa notícia é que PODE SER EVITADA e revertida. Sim, porque as principais causas são falta de rodízio de locais de aplicação e reutilização de agulhas.
Sobre os locais de aplicação, vale relembrar:
  • Braços: face posterior, 3 a 4 dedos abaixo da axila e acima do cotovelo (considere sempre os seus dedos)
  • Nádegas: quadrante superior lateral externo.
  • Coxas: face anterior e lateral externa superior, 4 dedos abaixo da virilha e acima do joelho.
  • Abdome: regiões laterais direita e esquerda, 3 a 4 dedos distante do umbigo.



Acredite: não é frescura. A insulina só vai funcionar DE FATO quando aplicada nesses locais, que têm uma camada de gordura suficiente para que a agulha fique no tecido subcutâneo e não atinja o músculo.
No entanto, de nada adianta aplicar sempre no mesmo lugar.  Nada menos do que 98% das pessoas que desenvolvem lipo-hipertrofia não fazem o rodízio dos locais de aplicação.
O rodízio garante que o tratamento com insulina seja seguro e eficaz. E melhor se feito com planejamento. Segundo as Diretrizes 2017-2018 da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), é necessário considerar o número de aplicações por dia e as atividades diárias usuais. Algumas sugestões:
·         Divida cada local de aplicação recomendado em pequenos quadrantes. Dentro desses quadrantes, faça aplicações em sentido horário, separadas uma da outra por pelo menos 1 cm (cerca de um dedo).
·         Para quem faz múltiplas aplicações, vale fixar um local para cada horário (tipo braço pela manhã, abdome na hora do almoço etc.). Sempre seguindo, em cada local, o esquema de quadrantes descrito acima.
·         Para quem faz uma ou duas aplicações por dia, dá até para usar sempre o mesmo local, se você tiver uma preferência. Mas alternando o lado (esquerdo e direito) e seguindo o esquema dos quadrantes.
A ideia é que você volte a aplicar exatamente no mesmo ponto só a cada 14 dias, que é o tempo que a pele leva para cicatrizar totalmente.
Outra causa para o surgimento da lipo-hipertrofia é a reutilização de agulhas. Estima-se que, em todo o planeta, metade dos usuários de insulina use as agulhas mais de uma vez. Na média, o reuso chega a cinco vezes/agulha. Os motivos vão desde conveniência, economia, falta de insumo até preocupação ambiental.
A lipo-hipertrofia está presente em 70% das pessoas que fazem o reuso. O problema é que a agulha, quando utilizada mais de uma vez, sofre alterações na ponta, como perda de afiação e lubrificação, o que pode provocar obstrução, dor, desconforto e lesão na pele. Sem contar o aumento do risco de infecção, já que, uma vez utilizada, a agulha deixa de ser estéril.
Então, para evitar a lipodistrofia:
  • Faça rodízio dos locais de aplicação
  • Não reutilize agulhas
  • Examine o local da aplicação: veja se há alguma alteração de tecido, além de edema (inchaço), inflamação ou infecção. Em qualquer dessas condições, aplique em outro local.
  • Peça ao profissional da sua equipe de saúde que faça um exame minucioso dos locais em que você costuma fazer a aplicação.

Importante: se você constatou que está com lipodistrofia e vai mudar o local de aplicação, fique atento para o risco de hipoglicemia, já que em um tecido sem lesão a absorção de insulina será plena. Pode também ser necessário reduzir as doses aplicadas.
Intensifique a monitorização e cuide da sua pele, para garantir a qualidade do controle do seu DM2.


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