terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Falha na bomba

Em todo o mundo, 23 milhões de pessoas sofrem de insuficiência cardíaca. São 3 milhões só no Brasil, onde é a segunda doença cardíaca mais comum e uma das principais causas de internação de adultos. Entre aqueles com mais de 65 anos, a prevalência supera 10%. E o pior: a mortalidade chega a 50% depois de 5 anos de diagnóstico.
A insuficiência cardíaca é uma doença caracterizada pela diminuição da capacidade de bombeamento do coração. Ou seja, o coração é incapaz de bombear e distribuir sangue de forma a atender às necessidades metabólicas de todos os tecidos do organismo.
E o que isso tem a ver com diabetes? Tudo! Já falei aqui sobre como a glicemia constantemente elevada causa danos ao coração (leia E o coração padece). Esses danos acumulados ao longo dos anos podem desembocar na insuficiência cardíaca, tornando o diabetes um fator de risco estabelecido para o desenvolvimento da doença.
Entre as pessoas com insuficiência cardíaca, 34% têm diabetes. E entre os indivíduos com diabetes, 12% têm insuficiência cardíaca, prevalência que sobe para 22% entre os idosos com DM.
São muitos números, mas o que mostram é a correlação inequívoca entre as duas condições. 
A diferença é que o diabetes pode ser controlado e garantir uma vida saudável. Enquanto a insuficiência cardíaca, se instalada e não tratada, pode comprometer muito a qualidade de vida.
Funciona assim: o músculo cardíaco, por conta de “maus tratos” ao longo da vida, vai ficando debilitado. Daí não tem força para bombear o sangue para o corpo. Os tecidos vão ficando desnutridos. O sangue que “sobra” dentro do coração congestiona a região pulmonar, causando falta de ar. Primeiro ao esforço, depois mesmo em repouso, o que chega a afetar até o sono e o descanso. Com o agravamento da condição, pode surgir edema (inchaço), não apenas visível (no abdômen, pernas e pés), como por dentro do corpo (especialmente do fígado).
Além da falta de ar e inchaço, os principais sintomas da insuficiência cardíaca são: tosse sem causa aparente, ganho de peso súbito, palpitações, fadiga, dificuldade de concentração, vertigem, náusea e suor excessivo.
Claro que não é apenas o diabetes que provoca o surgimento da insuficiência cardíaca. O cigarro está entre as principais causas, junto com a hipertensão, a dislipidemia e a ingestão excessiva de bebida alcoólica.
Dá para prevenir? Sim, cuidando bem da saúde do coração, como sempre. Não fumar, seguir uma dieta saudável, praticar atividade física regularmente, manter hipertensão e dislipidemia sobre controle. E, claro, cuidar da glicemia. Estudos mostram uma associação direta entre os níveis de hemoglobina glicada e o risco de insuficiência cardíaca. Ou seja, quanto maior a HbA1C, maior o risco.
Mas tão importante quanto prevenir é cuidar, tratar da insuficiência cardíaca. Um importante estudo publicado em 2014, o BREATHE (Brazilian Registry of Acute Heart Failure), mostrou alta taxa de mortalidade intra-hospitalar nos pacientes internados com IC aguda em diferentes regiões do Brasil. Taxas que superam o dobro do registrado nos Estados Unidos e na Europa. Entre os motivos, a baixa aderência ao uso de medicamentos. Outro estudo importante (Brown MT, Bussell JK. Medication adherence: WHO cares? Mayo Clin Proc., 2011) demonstra que entre os indivíduos com doenças crônicas 50% NÃO TOMAM o remédio como prescrito. Isso inclui os medicamentos não apenas para insuficiência cardíaca, mas para pressão, colesterol e, claro, diabetes.
Entre os idosos – os mais afetados pela insuficiência cardíaca – a aderência tende a ser menor ainda, por conta da chamada “polifarmácia” (aquele monte de remédios....), que gera esquecimentos e confusões por falha na compreensão de como e porquê usar adequadamente a medicação.
Sim, a falta de aderência ao tratamento não deve ser considerada responsabilidade exclusiva do indivíduo. Segundo o estudo BREATHE, no caso da insuficiência cardíaca pouco mais da metade dos pacientes recebem orientação sobre o uso correto dos medicamentos. Mais: apenas 43% são alertados sobre como reconhecer a piora dos sintomas. E mesmo entre aqueles que passaram por internação hospitalar, só 35% recebem na alta instruções apropriadas sobre os cuidados a serem tomados.
Mas não tenho só notícias ruins. A situação do tratamento no Brasil deve sim melhorar. Recentemente, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) analisou e aprovou a proposta das Diretrizes Brasileiras para Insuficiência Cardíaca estabelecidas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). O texto tem por objetivo melhorar a atenção do indivíduo com insuficiência cardíaca, padronizando a prática e implantação das melhores condutas. Traz orientações para os profissionais de saúde sobre aspectos relacionados à classificação, ao acompanhamento e ao encaminhamento a serviços especializados para controle da doença, assim como orientações quanto ao diagnóstico e ao tratamento de insuficiência cardíaca também no âmbito ambulatorial.
Na prática, significa que os médicos e equipes de saúde, inclusive do SUS, passam a dispor de mais informações e ferramentas para prevenir e cuidar da insuficiência cardíaca.
Diante dessas informações, o que cabe ao indivíduo/paciente fazer?
  • Prevenção – valem as recomendações de sempre: alimentação saudável, peso adequado, atividade física regular, hipertensão/colesterol/glicemia sob controle.
  • Diagnóstico – fique atento aos sintomas. Em você mesmo, no seu cônjuge, irmãos, pais, amigos. A identificação precoce da insuficiência cardíaca permite tratamento adequado, redução de riscos e melhor qualidade de vida
  • Tratamento – informe-se sobre o uso adequado dos medicamentos, questione seu médico/equipe de saúde sobre os tratamento disponíveis, o agravamento de sintomas e o que fazer em situações de emergência. Principalmente, siga as orientações!!

Também na insuficiência cardíaca, informação é sinônimo de empoderamento. E empoderamento pode significar mais saúde.


terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Igual, mas nem tanto


Os cientistas Frederick Banting e Charles Best, que descobriram a insulina em 1921, venderam a patente do produto por 1 dólar para a Universidade de Toronto. O objetivo dos pesquisadores era que a insulina fosse produzida em larga escala a baixo custo, de forma a estar disponível e acessível a todos os que necessitassem.
Quase 100 anos depois, a situação não é exatamente a sonhada pelos brilhantes professores. A insulina humana, hoje produzida, é um medicamento biológico, ou seja, derivado de um processo de biotecnologia e desenvolvido a partir de organismos vivos. Depende, portanto, de um complexo processo de produção. Por isso, a fabricação está na mão de poucas empresas, que usam tecnologia de ponta para desenvolver moléculas modificadas, resultando em produtos diferenciados – insulinas de ação rápida, ultrarrápida, lenta e ultralenta. Ótimo do ponto de vista de avanços no tratamento, mas bem ruim para o bolso.
No ano passado, uma luz surgiu no final deste túnel: as insulinas biossimilares. Já ouviu falar? Pois deveria. Os medicamentos biossimilares são como cópias dos fármacos de referência. E, como são desenvolvidos depois do fim da patente do medicamento de referência, podem ser produzidos a um custo menor. Além disso, por criar concorrência, estimulam a redução de preço do produto original.
A primeira insulina biossimilar aprovada no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2017, foi a Basaglar®. Trata-se de um análogo de longa duração desenvolvido por meio da aliança firmada entre as empresas Eli Lilly e a Boehringer Ingelheim. Tem como referência a insulina glargina (Lantus®, da Sanofi).
Então, biossimilares são como os genéricos? NADA DISSO. Os biossimilares, como o nome diz, são similares, mas não idênticos aos medicamentos originais.
Explicando melhor.
Por definição, os genéricos são cópias de produtos originais constituídos por moléculas simples. Daí o processo químico de síntese consegue ser idêntico ao do produto de referência. Os medicamentos genéricos devem conter o mesmo princípio ativo e ser usados na mesma dose e via de administração do fármaco de referência. Por isso, são intercambiáveis, ou seja, podem ser usados no lugar do medicamento de referência mesmo sem expressa indicação médica.
Já os biossimilares são cópias de fármacos biológicos, moléculas complexas, instáveis e heterogêneas. E que não podem ser reproduzidas em sua totalidade. Para fabricar um medicamento biossimilar, é preciso desenvolver uma nova molécula, similar à do medicamento de referência, mas não igual.
Na prática, o que isso significa? A insulina de referência e o produto biossimilar não são intercambiáveis.
Quer dizer que não dá para trocar de insulina? Claro que sim, mas apenas com acompanhamento médico! Porque é preciso saber como o seu organismo vai responder ao medicamento. Pode funcionar da mesma forma, pode ter de mudar a dose, o horário de aplicação, pode simplesmente não funcionar.
O que não pode é mudar de produto por conta própria. Ou comprar a insulina original em um mês e a biossimilar no outro. Ou vice-versa.

A SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), em posicionamento divulgado no início do ano (Posicionamento Oficial 1/2018), recomenda “fortemente a introdução de insulinas biossimilares no mercado brasileiro”, mas ressalta que “a qualidade, eficácia e segurança das insulinas biossimilares devem ser comprovadas por seus fabricantes”. E, por isso, a entidade não recomenda a substituição automática das insulinas de referência por suas biossimilares (e vice-versa).

Na dúvida? Converse com seu médico e/ou equipe de saúde. Veja se a troca ou introdução do biossimilar se aplica ao seu caso.
A ideia é sempre aproveitar o que a tecnologia pode proporcionar para melhorar o tratamento. Mas sempre com segurança e responsabilidade.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Glicosímetros em xeque

Já falei aqui sobre a importância da monitorização da glicemia como ferramenta de autoconhecimento e, portanto, do autocuidado (leia Sem bola de cristal)
Semana passada, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou a Resolução RE 3161 com a lista dos glicosímetros (aparelhos para medição de glicemia) que não estão de acordo com os requisitos técnicos estabelecidos pela Instrução Normativa número 24 (publicada em maio último). Ou seja, os aparelhos da lista não são precisos e devem ser retirados do mercado imediatamente (você pode conferir a lista no final do post).
A ação da ANVISA é resultado do trabalho da ADJ-Diabetes Brasil, em parceria com a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), para mudar uma situação que traz risco potencial para as pessoas com diabetes em todo o país.
Agora, é hora de exigir que a ANVISA de fato suspenda a comercialização desses produtos, sem exceção, inclusive deixando-os fora dos processos de licitação em todos os níveis (federal, estadual e municipal).
Cabe a cada um conferir se o glicosímetro que usa (comprou ou foi fornecido pelo setor público) está na lista, brigar para conseguir um aparelho melhor e, enquanto isso, ficar atento com as medições feitas (se possível, fazer uma dupla checagem em caso de resultados extremos).
O que NÃO PODE ser feito? É usar a lista como desculpa para não fazer a monitorização.
Sim, dá preguiça. A tira é cara. O dedo dói. E muitas vezes você não sabe o que fazer com aquele número, que parece só servir para trazer ansiedade. Mas veja bem: estudos mostram que o controle glicêmico é melhor nas pessoas que fazem mais testes, mesmo no diabetes tipo 2. Mesmo no DM2 que não toma insulina. Mesmo quando você não consegue tomar uma ação imediata para corrigir o que está errado.
Monitorar a glicemia com frequência, como eu disse acima, traz autoconhecimento. Você começa a perceber o que faz a glicemia subir, qual a atividade física mais adequada para você, se a medicação está funcionando etc. Informações preciosas para administrar o tratamento do diabetes e obter sucesso.
Não monitorar a glicemia é como fingir que o diabetes não existe, é ignorar os riscos, é empurrar o problema com a barriga.
Se você ainda não aderiu à monitoração como PARTE FUNDAMENTAL do seu tratamento, é hora de mudar. Procure saber se você tem direito a receber aparelho e tiras de monitorização pelo estado ou município. Se não, faça as contas e veja quantas tiras você consegue comprar por mês. Com essas informações, procure seu médico e/ou equipe de saúde e monte um plano de monitorização.
Em pouco tempo, você vai perceber que o glicosímetros não é um inimigo e que os números que aparecem não são para dar susto ou medo. São como uma bússola, que mostra o que pode ser corrigido para se atingir o caminho do autocuidado.


·         FreeStyle Lite Blood Glucose Test Strips / FreeStyle Lite Tiras-Teste para glicose no sangue 
·         Contour TS (Medidor de Glicose Sanguínea) Bayer
·         Contour TS Tira de Teste para Glicose Sanguínea Bayer
·         Sistema OneTouch Ultra Mini
·         Sistema de Medição de Glicose no Sangue OneTouch Select Simple
·         Tira reagente OneTouch Ultra
·         Tiras Reagentes OneTouch Select 
·         Monitor de Glicemia Accu-Chek (fotômetro)
·         AccuTrend Plus
·         AccuTrend Glicose
·         Fácil True Read Sistema de Monitoramento da Glicemia 
·         Família de Tiras de Glicose: Fácil True Read / Side Kick Tiras Reagentes para Glicose
·         Medidor de Glicose Injex Sens N
·         Injex Sens N Tiras de Teste de Glicose no Sangue 
·         Tira de Teste de Glicemia True Read
·         Medidor de Glicemia Fácil True Read
·         Família Medidor de Glicose TensorTip


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Dia Mundial

14 de novembro é o Dia Mundial do Diabetes. Por que essa data? Porque é o dia do nascimento de Sir Frederick Banting, cientista que, juntamente com Charles Best, descobriu a insulina em 1922. O Dia Mundial do Diabetes foi criado em 1992 pela IDF (International Diabetes Foundation) e Organização Mundial da Saúde e aprovado em 2006 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. É comemorado em 160 países, envolvendo 1 bilhão de pessoas ao redor do planeta.
A campanha do Dia Mundial tem como símbolo o círculo azul, significando a união global em resposta à epidemia de diabetes. Azul porque é a cor do céu, que une todas as nações.
O tema da campanha em 2018 é Diabetes e Família, com diversos objetivos:
* aumentar a conscientização sobre o impacto do diabetes na família e na rede de apoio das pessoas afetadas
* promover o papel da família na gestão, no cuidado, na prevenção e na educação do diabetes
* promover as ações pelo aprimoramento do diagnóstico e tratamento do diabetes em todo o mundo e pelos direito das pessoas com diabetes
* conscientizar sobre a importância dese adotar ações coodenadas e combinadas para enfrentar o diabetes como um problema crítico de saúde global.
Não há o que comemorar no Dia Mundial do Diabetes. O que vale é aproveitar a empolgação da data e alertar sobre o impacto no diabetes no mundo. Mobilizar mais pessoas para a luta por políticas públicas que favoreçam mais saúde e melhor qualidade de vida para as pessoas com diabetes, o que inclui a educação de indivíduos, famílias e profissionais de saúde sobre a adoção do tratamento adequado e de qualidade.
Acima de tudo, o Dia Mundial precisa servir para mostrar ás pessoas com diabetes que elas não estão sozinhas. Que elas não são culpadas por ter diabetes. Que não precisam se esconder, ter vergonha. Que necessitam DE VERDADE do apoio da família (e não apenas de um doce diet na festa de Natal....). Que podem, sim, ter uma vida saudável mesmo com diabetes.

O vídeo abaixo é sobre DM1, mas vale para todos com diabetes. Fala sobre as dificuldades do dia a dia de quem tem de diabetes, da importância de assumir a condição, de sair do armário, de praticar o autocuidado. Assistam, compartilhem. E vamos à luta!


terça-feira, 6 de novembro de 2018

Insulina sem mistérios

Já falamos aqui sobre o uso de insulina no diabetes tipo 2 (leia Insulina sem estigma - Parte 1 e Parte 2). Para quem já superou o medo e o preconceito e se dispõe a encarar a insulinização, aqui vão algumas informações para você  não ficar perdido em meio a tantos nomes, tipos e funções das insulinas existentes no mercado.

TIPOS
Até início dos anos 1980, as insulinas usadas para tratamento do diabetes eram extraídas do pâncreas de animais (bois e porcos). Em 1982, surge a insulina humana – que, ao contrário do que o nome pode sugerir, é produzida em laboratório. Trata-se de um medicamento biológico, ou seja, desenvolvido a partir de organismos vivos, como bactérias e vírus. Na verdade, a insulina humana foi o primeiro medicamento do planeta a usar a tecnologia do DNA recombinante, por meio de uma cultura de bactérias.
As insulinas humanas disponíveis hoje no mercado são a NPH e a Regular. Além delas, existem as chamadas insulinas análogas, produtos nos quais a estrutura dos componentes (aminoácidos) é modificada de forma a alterar o tempo de ação.

APRESENTAÇÃO
As insulinas podem vir em frascos (10 ml, para uso em seringas), canetas descartáveis (3 ml) ou refis (3 ml, para uso em canetas de aplicação). Outra forma de administração é o Sistema de Infusão Contínua (a “bomba de insulina”).
A insulina deve ser injetada diretamente no tecido subcutâneo (entre a pele e o músculo). Não pode ser “tomada” em pílulas ou cápsulas, pois seria destruída pelos sucos digestivos presentes no estômago.

TEMPO DE AÇÃO
O pâncreas produz insulina constantemente, em níveis baixos, para manter a liberação contínua de glicose para as células. Esse mecanismo é chamado de basal. Quando a pessoa se alimenta, há maior necessidade de insulina e o pâncreas então libera uma quantidade maior do hormônio. Esse é o mecanismo de bolus.
As insulinas disponíveis no mercado se diferenciam pelo seu tempo de ação. Essa distinção existe para simular o que ocorre com o organismo humano. As insulinas de ação intermediária e lenta imitam o fornecimento basal natural do organismo. Já as de ação rápida ou ultrarrápida proporcionam resultado semelhante ao sistema de bolus, necessário depois das refeições.
As insulinas:


Algumas pessoas utilizam como sistema terapêutico a insulinização plena (também chamado de sistema basal-bolus), com múltiplas doses diárias de dois tipos de insulina. É o caso de todos os indivíduos com diabetes tipo 1. Mas também pode ser o necessário no DM2, quando a secreção de insulina endógena está em níveis muito baixos.
O mais comum no diabetes tipo 2, porém, é o uso de injeções de insulina apenas na função basal, integrando-se o tratamento com medicação oral.

Dúvidas?
Diante de tantas marcas e “modelos”, fica a dúvida: qual a melhor insulina? A resposta é categórica: DEPENDE! Sim, a melhor insulina é aquela que funciona melhor para você. É possível ter bom controle mesmo usando a “velha” insulina NPH. Por outro lado, os produtos de última geração sozinhos não garantem a glicemia dos sonhos.
EM TEMPO: pacientes e profissionais de saúde têm o direito -- e o dever -- de lutar pelo melhor tratamento, sempre. Mas isso não significa necessariamente o tratamento de última geração.
Converse com seu médico. Juntos, vocês podem avaliar qual o produto que melhor se adapta a seu perfil, levando em conta como anda o controle glicêmico, a sua rotina e, claro, os custos (ou as condições para obter o medicamento).
Vale destacar, porém, que depois de iniciada a insulinização, de nada adianta ficar com a mesma prescrição por anos a fio. As doses precisam ser constantemente avaliadas e, se necessário, atualizadas. Como? Com a ajuda da monitorização da glicemia, a melhor ferramenta disponível para saber como anda o controle e o tratamento em vigor. Não está funcionando? Depois do almoço a glicemia sobe? À noite vem hipoglicemia? Volte ao médico com as informações para rever o esquema de insulinização.

Ou seja: parafraseando um político das antigas, o preço do bom controle glicêmico é a eterna vigilância. Sempre.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

O paciente no centro


As duas mais importantes entidades científicas internacionais na área de diabetes – ADA (American Diabetes Association) e EASD (European Association for Study of Diabetes) – lançaram em setembro último uma diretriz conjunta sobre gerenciamento da hiperglicemia no diabetes tipo 2.
O documento foi divulgado durante a realização, em Berlim (Alemanha), do 54º Congresso Anual do EASD. O que diz essa declaração consensual? Ao lado de recomendações clínicas/medicamentosas (que não vêm ao caso aqui, porque dirigidas ao médico prescritor), o que chama atenção no consenso é a valorização da educação e do cuidado do indivíduo com DM2. As principais recomendações nesse sentido:
·         Os sistemas e provedores de serviços de saúde devem priorizar os cuidados centrados no paciente por serem respeitosos e receptivos às múltiplas morbidades e preferências individuais do paciente no controle do diabetes.
·         As preferências do paciente são um fator importante na adesão à medicação e devem ser consideradas especificamente ao selecionar medicamentos para redução da glicose..
·         Todos os pacientes com DM2 devem ter acesso a programas de educação e apoio de autogestão para diabetes.
Qual o mérito do consenso ADA/EASD? Acima de tudo, reforçar a necessidade de que a tomada de decisão seja centrada no paciente, além de fornecer ao indivíduo as ferramentas para a decisão. Esse modelo baseia-se essencialmente na ideia de que a interação médico-paciente´(ou, melhor ainda, profissional de saúde e paciente) deve considerar a perspectiva daquele que procura atendimento – suas expectativas, medos, idéias e valores – e a importância de sua participação para o sucesso do tratamento.
Mudou a medicina? Com certeza. Mas principalmente mudaram os pacientes. Os indivíduos, que antes confiavam cegamente nos profissionais de saúde, hoje chegam no consultório munidos de informações, termos médicos, hipóteses diagnósticas e propostas de tratamento.
Através da história, o profissional da saúde assumiu diversos papéis. Primeiro foram os curandeiros que praticavam curas em tribos e nas sociedades pré-cristãs, como a do Egito. Depois vieram os doutores semideuses da Grécia Antiga. Com o juramento de Hipócrates, que surge no século V a.C., nasce também o humanismo na relação com o paciente. No período medieval, a relação sofre um retrocesso: o médico volta a se mostrar como um ser onisciente, dotado de poderes superiores, místicos até.
Em 1847, o Código de Ética da American Medical Association (AMA) recomendava que a obediência de um paciente às prescrições de sua equipe de saúde fosse “imediata e implícita”. Foi preciso mais de um século e meio (1990) para que a mesma associação passasse a reconhecer o direito do paciente de tomar decisões sobre os cuidados de saúde preconizados pelo profissional, podendo “aceitar ou recusar qualquer tratamento de saúde recomendado”.
No Brasil, o documento HumanizaSUS, de 2004, prega a humanização e a “troca de saberes (incluindo de pacientes e familiares), diálogo entre os profissionais e modos de trabalhar em equipe”.
Claro que o paternalismo ainda é percebido nos dias atuais. Mais ainda, o verticalismo das relações se faz presente em atendimentos que adotam uma perspectiva exclusivamente “biomédica”, sem sopesar a autonomia e os desejos do indivíduo. Inúmeros pacientes, por sua vez, ainda aceitam passivamente as orientações, até porque nem sempre sabem como questionar o profissional  ou não se sentem à vontade para tanto. Ou são ambos – médico e paciente – presas de consultas com tempo reduzido que não permitem qualquer interação enriquecedora.
Mas é animador ver entidades importantes como a ADA e a EASD empenhadas nessa mensagem integrativa. E na valorização da educação como forma de apoio à autogestão do tratamento do diabetes tipo 2 – uma condição complexa, que envolve diversas dimensões da vida e do cotidiano do paciente.
Para finalizar, vale destacar que a informação é sempre o melhor caminho para o autoconhecimento. O indivíduo ativo e informado é capaz de pensar criticamente e agir de forma autônoma. Se, ao seu lado, houver equipes de saúde ativas e preparadas, temos um mundo ideal.
Vale a pena sonhar, não é mesmo?

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A outra complicação

O diabetes não controlado pode levar a algumas complicações crônicas classicamente estudadas, caso da retinopatia, nefropatia, neuropatia e doença cardiovascular. Porém, nos últimos tempos mais uma doença derivada da hiperglicemia continuada tem sido objeto de estudo dos especialistas: a sarcopenia.
O nome pomposo (do grego: sarx = carne + penia = diminuição) revela um problema infelizmente não muito raro: a perda progressiva e generalizada de massa, força e função muscular. Mais comum entre idosos (no Brasil, atinge 16% das pessoas com mais de 60 anos), é duas a três vezes mais frequente em indivíduos com diabetes. Com o envelhecimento da população mundial, a prevalência da sarcopenia vem aumentando na mesma proporção – o que não é diferente entre as pessoas com diabetes. 
A sarcopenia é multifatorial. Ocorre pela alteração da síntese de proteína aliada à redução da capacidade neuromuscular e ao aumento dos processos inflamatórios.
O que diabetes tem a ver com isso? A hiperglicemia – especialmente derivada da resistência à insulina, característica do diabetes tipo 2 – eleva o risco de surgimento da sarcopenia, pode acelerar seu desenvolvimento e agravar o problema quando já instalado. Isso porque glicemia alta provoca aumento do catabolismo, que é o processo metabólico de destruição de tecidos. Trata-se de um mecanismo natural do corpo, que atua em equilíbrio com o anabolismo (a construção de tecidos). O problema é quando o catabolismo é mais intenso do que o anabolismo – o que pode ser causado pela hiperglicemia. Vamos entender: quando a glicemia está elevada, significa que a glicose ficou no sangue e não foi para as células gerar energia. Isso inclui as células musculares – as maiores consumidoras de glicose do organismo. Sem energia, as células vão morrendo, levando à degradação das fibras musculares.
Falta de atividade física e alimentação de má qualidade são outros fatores que levam ao surgimento/agravamento da sarcopenia, bem como tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas.
A sarcopenia não significa apenas “ser fraco”. Afeta o equilíbrio, a marcha, a capacidade para executar tarefas da vida diária. Ou seja, diminui a qualidade de vida. Além disso, está associada a maior número de hospitalização, mais eventos cardiovasculares e maior mortalidade.
Nem tudo, porém, é notícia ruim. A sarcopenia pode ser evitada. Mais: é reversível. Sim, é possível restaurar a capacidade física funcional, com intervenções combinadas que incluem atividade física, plano alimentar, com eventual suplementação de proteínas/vitaminas.
Por isso o diagnóstico precoce é fundamental, permitindo o tratamento também precoce capaz de evitar a deterioração da qualidade de vida. No diabetes, a sarcopenia pode aparecer na meia idade, antes da velhice, e por isso precisa ser rastreada, investigada, para que possa ser revertida e/ou controlada. Converse com seu médico!
E o que você pode fazer para prevenir a sarcopenia? Manter a glicemia sob controle, claro, evita a aceleração do catabolismo. Mas o melhor remédio e prevenção para a sarcopenia, para quem tem ou não diabetes, é a atividade física, especialmente os chamados exercícios resistidos, para fortalecimento muscular. Ou seja: você pratica exercícios de fortalecimento para não perder força muscular. Simples assim.
Não por acaso a ADA (American Diabetes Association) e a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) colocam nas suas recomendações de atividade física para quem tem diabetes tipo 2 a prática de exercícios de força, 2 a 3 vezes por semana. Além de promover fortalecimento e ganho de capacidade funcional, os exercícios resistidos melhoram a sensibilidade à insulina e o controle da glicemia (lembra que os músculos são os maiores consumidores de glicose do organismo?). Mais: aumento da densidade óssea e mais saúde cardiovascular.
Melhor ainda se os exercícios resistidos forem combinados ao treinamento aeróbio, de 30 a 60 minutos por dia, preferencialmente todos os dias.
Você ainda tem dúvida de que exercício é remédio?


Fontes:
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD): www.diabetes.org.br
The Society for Sarcopenia, Cachexia and Wasting Disease: http://society-scwd.org/ 

Sarcopenia: a chronic complication of type 2 diabetes mellitus. Heloísa Trierweiler, Gabrielle Kisielewicz, Thaísa Hoffmann Jonasson, Ricardo Rasmussen Petterle, Carolina Aguiar Moreira, Victória Zeghbi Cochenski Borba. Diabetol Metab Syndr. 2018; 10: 25


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Respeito é bom

11 de outubro é o Dia Mundial da Obesidade. Claro que não é um dia de comemoração. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o excesso de peso atinge 39% da população adulta do planeta, algo perto de 2 bilhões de pessoas. Se ficarmos apenas na obesidade, são 650 milhões de pessoas (13% dos adultos).
Nos países em desenvolvimento, 62% das pessoas estão com sobrepeso e obesidade. No Brasil, ultrapassam 50% da população – cerca de 75 milhões de pessoas, das quais 27 milhões são obesas (17%, um em cada seis indivíduos).
Nem é preciso lembrar que a obesidade é fator de risco para uma série de doenças. O sobrepeso aumenta a possibilidade de desenvolver problemas como hipertensão, doenças cardiovasculares, artrose, artrite, pedra na vesícula, apneia, refluxo esofágico, tumores de intestino, para citar alguns. E, claro, diabetes (leia Cinturinha de pilão?). Segundo a entidade científica The Obesity Society, em todo o mundo quase 90% das pessoas com diabetes tipo 2 têm sobrepeso ou obesidade.
Mas o que chama a atenção na campanha do Dia Mundial da Obesidade de 2018 é o tema: estigma (End Weight Stigma). De acordo com o site da World Obesity Federation, a proposta é conscientizar sobre a “prevalência, severidade e diversidade do estigma contra o excesso de peso”.  Seguindo na mesma linha, no Brasil a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e a ABESO (Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) adotaram o tema Obesidade: eu trato com respeito. Diz a campanha: “Tratar a obesidade com respeito é respeitar o paciente com obesidade. Respeitar a sua condição. É não reforçar a ideia errada de que a obesidade é culpa de quem tem”.
Essa é exatamente a origem do estigma que ronda o diabetes tipo 2 (leia Estigma). Na cabeça de muitos, quem tem DM2 tem sobrepeso e, portanto, é preguiçoso, descomprometido, “sem vergonha”. Esquecendo que diabetes e obesidade são doenças crônicas, complexas e multifatoriais, que vão além das escolhas individuais.
Enfrentar o preconceito já não é fácil, mas pior ainda são as barreiras que surgem como resultado do estigma, o que pode impedir pessoas com diabetes e/ou obesidade de receber o tratamento médico de que precisam. E merecem.
Para a World Obesity Federation, a mídia é um dos principais responsáveis pela disseminação do preconceito. “Os atuais retratos da mídia sobre a obesidade reforçam estereótipos imprecisos e negativos sobre o peso. Pedimos a todos os meios de comunicação que acabem com o uso de linguagem e imagens estigmatizantes e, em vez disso, retratem a obesidade de maneira justa, precisa e informativa”.
Vale lembrar que o estigma/preconceito está em todos nós. É preciso mudar linguagem, atitudes e comportamentos. É preciso aumentar a conscientização sobre as causas e os riscos do excesso de peso. Também entre os profissionais de saúde (médicos incluídos, sem dúvida), que devem aprimorar o atendimento e apoio ao paciente com obesidade e/ou diabetes durante todo o tratamento, visando maior eficácia. Sem medo, sem vergonha, sem preconceito.
Parabéns às entidades internacionais e à SBEM e ABESO pela iniciativa de atacar o problema não apenas com pesquisas e protocolos médicos. É assim que as coisas começam a mudar.

Saiba mais:
SBEM: www.endocrino.org.br/
ABESO: www.abeso.org.br
World Obesity Federation: www.worldobesity.org/

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Os assumidos - parte 2 (a história de Zilda, Henrique, Sílvia e Breno)

Há cerca de 30 anos, quando Zilda recebeu o diagnóstico de diabetes, primeiro veio o medo. A doença havia levado não só o pai, mas também um irmão, ambos com pouco mais de 40 anos de idade. “Achei que teria poucos anos de vida”. Depois, veio a força. “Não adiantava parar no medo. Resolvi seguir em frente, assumir o diabetes”. No último domingo, Zilda participou pela primeira vez de uma corrida de rua – uma meia maratona. Estava feliz. “Hoje eu não tenho mais medo.”

Zilda tem 66 anos e diabetes tipo 2. Tive o prazer de estar ao lado dela durante toda a meia maratona. O percurso, na zona oeste da capital paulista, é muito familiar a essa mineira de coração paulistano que morou boa parte da vida na região do Butantã. Foram mais de 3 horas de muitas histórias e recordações, algumas alegres, outras nem tanto.

Vencer os 21.097 km da Meia de Sampa foi apenas mais um dos muitos momentos de superação na vida de Zilda. O pai morreu cedo, por causa do diabetes, e crescer foi uma batalha constante ao lado da mãe e dos oito irmãos.
Passou os primeiros anos após diagnóstico controlando o diabetes com dieta e exercício. “Sempre fiz muito esporte. E adoro dançar”. Depois vieram os medicamentos e, com eles, alguns incômodos. Mais tarde, um cateterismo e a insulina.

Tempos atrás, conheceu a ADJ Diabetes Brasil e contou do sonho de começar a correr. Foi parar na Nova Equipe, assessoria esportiva, e começou a treinar com Emerson Bisan, corredor/treinador com diabetes tipo 1. Vivendo dos escassos recursos da aposentadoria, demorou para conseguir apoio para participar da primeira corrida.

Nada foi – nem é – fácil.  Zilda se trata pelo SUS, usa insulinas NPH e Regular, o que lhe traz muitas oscilações glicêmicas, impedindo que o controle se mantenha sempre bom. “O acesso aos medicamentos, ao médico é difícil”.

Incansável, Zilda não desanima. Além da corrida, faz dança afro, outra paixão. Depois da meia maratona de domingo, já está se preparando para uma maratona inteira, o sonho maior. “Difícil é, mas não tenho mais medo. Passou todo esse tempo e eu estou aqui. É o que importa”.

Susto, algum alívio, nenhuma surpresa
Quando recebeu o diagnóstico de diabetes, Henrique não teve medo. Nem surpresa. Na época, cuidava de sua mãe, que tinha diabetes tipo 2 e também feridas de difícil cicatrização. “Já tinha histórico familiar, mãe e tias, para mim pareceu coisa perfeitamente normal, esperada.” A reação de Henrique foi aprender. “Comecei a me informar, estudar, procurar dicas, informações para não chegar ao mesmo ponto que minha mãe chegou. Acompanhei blogueiros, médicos, curiosos, nutris, gente que sabia de tudo e gente que não sabia nada. Minha vida ficou mais saudável”. Henrique, 54 anos, tem diabetes tipo 2

Para Sílvia, receber o diagnóstico de diabetes foi um alívio. “Eu estava passando muito mal e achava que era menopausa precoce”.  O pai de Silvia tinha diabetes e sempre se cuidou. A boa referência ajudou na aceitação. Mas demorou quase 10 anos para que ela de fato aprendesse a lidar adequadamente com o diabetes. “Hoje em dia me cuido apoiada em muita informação”. Silvia, 60 anos, tem diabetes tipo 2.

“Foi assustador”. Assim Breno define o momento em que descobriu ter diabetes, “Meu mundo desabou, a vida tinha acabado. Mas daí percebi que estava me fazendo de vítima e eu não queria ser vítima”. Breno passou então pelo que chama de processo de conscientização. “Passei a me cuidar muito mais, me observar muito mais no dia a dia.” Breno, 50 anos, tem diabetes tipo 2. 

Henrique, Silvia e Breno, assim como Zilda, são alguns dos poucos exemplos que encontrei de pessoas que lidam bem com o diabetes tipo 2. Poderiam ser chamados de “DM2 assumidos”, que “saíram do armário”, venceram o estigma, o medo e até mesmo a vergonha para encarar o autocuidado.

Para Silvia, a maior dificuldade sempre foi o preconceito. “As pessoas te tratam como um ser frágil, debilitado, quase incapaz de viver uma vida normal como todo mundo. A desinformação sobre o diabetes e sobre a convivência com o diabetes é muito grande.” Breno complementa: “As pessoas têm sim receio, de conviver, de cuidar de alguém com o diabetes. Mas não falar sobre a doença contribui para o preconceito”.
Silvia concorda que assumir o diabetes traz confiança e autoestima, o que não apenas reduz o preconceito como favorece a adesão ao tratamento. Depois do diagnóstico, ela emagreceu 10 kg e mantém o diabetes sem atropelos, com hábitos saudáveis apoiando a ação dos medicamentos.
Para controlar o diabetes, Henrique toma dois medicamentos, adotou uma alimentação saudável e faz atividade física diariamente – cerca de 90 minutos de caminhada. “Ainda vou voltar a correr”, planeja o ex-maratonista. “Um tempo antes do diagnóstico, tive uma lesão no tendão calcâneo. Deixei de correr, mas continuei comendo. Acho que foi o gatilho”.
Breno também mudou a alimentação depois do diabetes. E a atividade física virou vício. “Isso não significa que não houve choro, que não houve tristeza, que não houve arrependimentos. Significa que mudanças precisavam ser feitas”. Aos poucos, começou a gostar da nova vida. Emagreceu quase 30 kg e deixou de fazer uso tanto da insulina quanto da medicação oral. “Se vier a usar futuramente, vou compreender. O organismo muda, envelhece. Mas para chegar nesse equilíbrio precisei passar por tudo isso”.
Henrique garante nunca ter tido dificuldades em aceitar o diabetes. “Sem vergonha de ser DM2” é o lema do perfil que criou no Instagram, o @diabeticofobia, que tem mais de 5 mil  seguidores. A ideia é tratar o diabetes com bom humor. “Publico coisas bem humoradas, quero divertir as pessoas. Muita gente agradece porque dão risada com os meus posts e acabam aceitando melhor a doença. Gostaria que as pessoas com diabetes tivessem uma vida mais leve, mais bacana." 
Como assistente social, Sílvia também procura ajudar outros que têm diabetes. Principalmente levando cada um a descobrir sua própria capacidade de superação, de renovação, de enfrentamento. "Isso é muito legal", completa. 

Leia também: 
Os assumidos
Estigma

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O mal silencioso (O coração padece – parte 3)


29 de setembro é o Dia Mundial do Coração. Criada em 2000 pela WHF (World Heart Federation) para alertar e conscientizar a população do planeta sobre a importância de manter uma boa saúde cardiovascular, não é exatamente uma data para comemorar
Segundo a Organização Mundial da Saúde, as doenças cardiovasculares vitimam 17 milhões de pessoas do planeta todos os anos. No Brasil, são a causa de 30% das mortes – em 2017, foram mais de 380 mil, uma a cada 90 SEGUNDOS. Este ano, até o momento do fechamento deste texto, foram 293 mil mortes, segundo o Cardiômetro, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (acompanhe em www.cardiometro.com.br).
No Dia Mundial do Coração não vou falar de diabetes – embora a glicemia descontrolada seja aumente as chances de problemas cardíacos. Quero conversar sobre outro grande inimigo do coração, o mais importante fator de risco para o desenvolvimento das doenças cardiovasculares: a hipertensão. Que, não por acaso, caminha de mãos dada com o diabetes: pesquisas mostram que perto de 85% das pessoas com DM2 também têm hipertensão, mais de 40% delas já quando abrem o diagnóstico de diabetes.
Cerca de 30% da população mundial é hipertensa – no Brasil, são 36 milhões de pessoas, 32,5% dos adultos e 60% dos idosos. Não controlada, a chamada doença hipertensiva isoladamente é a causa 13,8% das mortes por eventos cardiovasculares, além de responder por 54% de todos os casos de AVC (“derrame”) e 47% dos casos de infarto, fatais e não fatais, em todo o mundo.
Controlar a hipertensão é possível, mas as estatísticas são funestas: só 40% dos hipertensos fazem tratamento e apenas pouco mais de 10% conseguem ter a pressão sob controle. O motivo? A hipertensão é um mal silencioso, quase nunca apresenta sintomas. Às vezes, especialmente em níveis pressóricos mais elevados, podem surgir tontura, falta de ar, palpitações, dor de cabeça frequente e alteração na visão.
Mas afinal o que é a hipertensão? A pressão arterial é a força causada pela contração do coração e das paredes das artérias para impulsionar o sangue por todo o corpo. A pressão de até 120 x 80 mmHg (o famoso 12 por 8) é aquela que na qual o organismo foi programado para trabalhar. Se, porém, a pressão fica continuamente aumentada, órgãos como coração, cérebro, rins, olhos e as próprias artérias sofrem maior desgaste e surgem as doenças.
Obesidade, histórico familiar, estresse e envelhecimento estão associados ao desenvolvimento da hipertensão. O excesso de peso pode acelerar até 10 anos o aparecimento da doença. O consumo de sal além da conta também colabora para o surgimento da hipertensão. Isso porque o sódio contido no sal provoca edema (inchaço) das paredes das artérias, reduzindo o espaço para a circulação do sangue. Além disso, inibe a produção de óxido nítrico, substância que promove dilatação e relaxamento da parede das artérias. Com menor quantidade de óxido nítrico, mais as artérias ficam contraídas e rígidas.
Você não sabe se tem pressão alta? Bem, se você tem parentes hipertensos, está acima do peso, tem mais de 40 anos de idade, tem diabetes, colesterol elevado, fuma, tem rotina estressante (quem não??), deve medir a pressão regularmente. Veja a tabela abaixo: 

Se você já tem o diagnóstico de hipertensão, deve fazer controle periódico e seguir as orientações médicas. A maioria dos hipertensos, mesmo com hábitos saudáveis, precisa utilizar algum medicamento para controlar a pressão. O importante é que o tratamento seja feito de forma contínua, sem interrupções. Não vale parar o medicamento porque “a pressão está normal”. Também é importante realizar consultas médicas periódicas, pois podem ser necessários ajustes na medicação.
Vale também seguir os 10 mandamentos para prevenção e controle da pressão alta, preconizados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.


 Para finalizar, vou falar de diabetes: quem tem DM2 deve ter cuidado redobrado com a hipertensão. Juntas e descontroladas, essas duas condições podem fazer do seu coração uma bomba-relógio. Cuide-se!


Para saber mais:
Eu sou 12por8 - Campanha da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Vídeo Campanha Sou12por8

Posts anteriores sobre risco cardiovascular:
E o coração padece
O coração padece - parte 2 (gordura no lugar errado)

Fonte:
7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, 2016 - Sociedade Brasileira de Cardiologia.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A epidemia do sofá


A prestigiada revista científica The Lancet Global Health Journal publicou no último dia 4 de setembro um artigo alarmante: levantamento capitaneado pela Organização Mundial da Saúde constata que mais de um quarto da população adulta do planeta – 27,5% ou nada menos do que 1,4 bilhão de pessoas – são insuficientemente ativas. E, portanto, em maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, demência e alguns tipos de câncer.
Pior ainda para nós: o Brasil ocupa o 5º lugar deste ranking funesto, com o levantamento mostrando que a inatividade física atinge 47% da população brasileira – 53% das mulheres e 40% dos homens acima de 18 anos. Perdemos apenas para Kuwait (67%), Samoa Americana (53,4%),  Arábia Saudita (53,1%) e Iraque (52%)
O levantamento da OMS (Worldwide trends in insufficient physical activity from 2001 to 2016) computou dados de 358 pesquisas de 168 países, incluindo um total de 1,9 milhões de participantes. Contempla a atividade física realizada no trabalho, em casa, para transporte e durante o tempo livre.
Outro ponto preocupante: ao comparar dados de 2001 e 2016, o estudo revela que os níveis de inatividade física permaneceram estáveis. Ou seja: ao contrário de outros fatores de risco para a saúde, os níveis de inatividade física não estão caindo, como bem lembra a principal autora do estudo, Regina Guthold (OMS, Suíça). No caso do Brasil, a coisa foi um pouco pior: a taxa de inatividade cresceu mais de 15%. Crescimento similar aconteceu também na Alemanha, Bulgária, Filipinas e Singapura.


As mulheres são menos ativas do que os homens em todas as regiões do mundo: cerca de uma em cada três mulheres (31,7%) e um em cada quatro homens (23,4%) não atingem os níveis recomendados de atividade física para se manterem saudáveis. As maiores diferenças de nível de inatividade entre os gêneros foram encontradas na Ásia (sul e centro), Oriente Médio e norte da África.
As regiões do mundo com maior prevalência de inatividade são, segundo o levantamento, América Latina e Caribe (43,7%), sul da Ásia (43%) e países ocidentais de alta renda (42,3%), como Alemanha (42%), Portugal (43,4%), Itália (41,4%), Estados Unidos (40%) e Bélgica (35,7%). Aliás, nos países com população de alta renda a inatividade é duas vezes mais alta. O que pode ser explicado pela prevalência de ocupações mais sedentárias e maior uso do transporte motorizado.
O que esses números evidenciam, acima de tudo, é que alguma coisa precisa ser feita – e rapidamente – para mudar esse cenário. O artigo cita o Brasil como um dos países nos quais, devido à rápida urbanização, a adoção de políticas para estimular a atividade física da população é particularmente importante. Segundo a OMS, cabe aos países implementar políticas públicas para encorajar o uso de transporte não motorizado (como caminhada e ciclismo) e promover atividades recreativas/esportivas no tempo livre dos indivíduos, com a melhoria em infraestrutura e criação de ambientes que estimulem a atividade física -- parques, espaços públicos aberto e locais de trabalho, por exemplo. É preciso aumentar as oportunidades para que pessoas de todas as idades e habilidades sejam ativas, todos os dias.
Para isso, vale lembrar o Plano de Ação Mundial sobre Atividade Física e Saúde: More active people for a healthier world (veja Por mais pessoas ativas), lançado pela própria Organização Mundial da Saúde em junho deste ano e que será referendado na reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre Doenças Crônicas Não Transmissíveis que acontece no próximo dia 27, em Nova York. O plano é um roteiro para as intervenções necessárias em todos os países, com o objetivo de reduzir a inatividade física entre adultos e adolescentes em 10% até 2025 e 15% até 2030.
Enquanto isso, por aqui, o Brasil vive um momento em que precisa enfrentar inúmeros problemas. O sedentarismo, como se vê, é mais um, mas não menos importante. Vale descobrir o que pensam a respeito os candidatos à Presidência, Senado, Câmara de Deputados e Assembleias Legislativas estaduais.


Para saber mais:


Vídeo da campanha da OMS: Let´s be active 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Pés a salvo - parte 2


No último post, começamos a falar sobre o pé diabético. O assunto pode render muitos e muitos textos, tanto pela relevância como pela diversidade de aspectos que o envolvem.
Hoje, porém, quero falar sobre o aspecto mais pessoal, individual. Ou seja: o que cada pessoa com diabetes tipo 2 pode fazer para manter os seus pés a salvo.
Claro que ter a glicemia sob controle reduz o risco: uma queda de 40% na incidência de neuropatia, a complicação que afeta os nervos e leva à perda de sensibilidade, um dos tripés da síndrome do pé diabético. Foi o que mostrou o UKPDS (United Kingdon Prospective Diabetes Study), um dos mais importantes estudos da área.
Mas prevenir o pé diabético – e suas consequências – vai mais além. É um cuidado diário, contínuo. E está ao alcance de todos.
Vamos lá? A primeira providência: no banho, lembre-se de lavar os pés. Sim, aquela água que escorre do chuveiro não basta para limpar. Lave cuidadosamente com sabonete não abrasivo. Depois, seque muito, muito bem, especialmente entre os dedos. E hidrate – mas lembre-se de não passar o creme entre os dedos, área propícia a micoses (frieiras).
Além disso:
  • Examine meias e sapatos antes de usar.
  • Use meias de algodão, sem costuras.
  • Use sapatos confortáveis. Evite bico fino, salto alto, tiras ou partes de metal em contato com a pele.
  • Mantenha as unhas com corte reto.
Agora, o mais importante: examine os próprios pés, todos os dias! O que procurar? Micoses, escoriações, úlceras, rachaduras, calosidades, mudanças de cor ou temperatura. Ou seja, qualquer coisa fora do normal. Notou alguma anormalidade? Não tente “consertar”: nada de furar bolhas, retirar calos ou verrugas, mexer nos “cantinhos” da unha, passar lixa na rachadura, tratar a micose com aquele remédio que deu "super certo" para o vizinho. Converse com seu médico ou profissional de saúde, para que o problema seja tratado adequadamente.
E por falar em profissional de saúde: peça ao seu médico para examinar seus pés ou indicar alguém da equipe de atendimento. Existem testes para avaliar a sensibilidade (diapasão e monofilamento) e a vascularização (palpação dos pulsos) dos pés. São procedimentos simples, que podem evitar problemas bem complicados.
Caso você já tenha algum grau de neuropatia periférica, com alguma perda de sensibilidade e de vascularização, é preciso redobrar esses cuidados, para evitar o surgimento de úlceras. E, claro, controlar a glicemia para impedir o agravamento do problema.
Vale lembrar que a presença de neuropatia periférica NÃO IMPEDE a prática de atividade física. É possível fazer uma caminhada leve e não muito prolongada, exercícios na água, na bicicleta (comum ou estacionária), musculação, ioga, pilates etc., sempre com o cuidado de não haver pressão excessiva sobre os pés. A atividade física é fundamental não apenas para controlar a glicemia, mas para manter a saúde cardiovascular, melhorando o fluxo sanguíneo para os membros inferiores. Mais: o exercício garante a saúde das articulações, o que também é fundamental para prevenir que a síndrome do pé diabético aconteça ou progrida. Pouca flexibilidade nos tornozelos e nos dedos afeta a habilidade do pé de distribuir a pressão e o estresse, o que aumenta o risco de lesões.
Viu? Seus pés só precisam de um pouco de carinho e atenção. Cuide bem deles

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Pés a salvo – parte 1


O risco de amputação é, juntamente com a perda da visão, o maior medo das pessoas com diabetes, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha no último mês de maio. Não por acaso: quanto maior o tempo de diabetes – e quanto mais tempo a glicemia fica fora de controle – maior a possibilidade de surgir complicações nos pés, o chamado “pé diabético”.
O nome é horrível, não? A definição OMS (Organização Mundial da Saúde) também não é das mais reconfortantes: situação de infecção, ulceração ou também destruição dos tecidos profundos dos pés, associada a anormalidades neurológicas e vários graus de doença vascular periférica, nos membros inferiores de pacientes com diabetes mellitus..
Vamos entender: o chamado “pé diabético” pode ser considerado uma síndrome, pois é uma condição derivada da associação de diversas complicações da glicemia descontrolada.
Tudo começa com a neuropatia (leia Á flor da pele), complicação caracterizada por danos aos nervos, impedindo a transmissão de mensagens para os pés, que começam a perder sensibilidade. Ao mesmo tempo, os músculos intrínsecos do pé ficam sem o estímulo nervoso e atrofiam, causando fraqueza muscular e até mesmo dificuldades para caminhar. É alta a incidência de joanete, pé cavo e dedos em garra (os ossos, sem a força da musculatura, se deslocam de forma inadequada). Também são frequentes as rachaduras na pele, já que a neuropatia causa anidrose (menor sudorese), tornando a pele da região ressecada e mais suscetível a rupturas.
O cenário se torna então propício ao surgimento de úlceras, que podem ser causadas por traumas externos ou pela distribuição anormal da pressão interna dos ossos. A baixa sensibilidade reduz ou mesmo elimina a dor e o incômodo, o que impede atitudes protetoras, como tirar a pedrinha que está machucando no sapato ou mudar o padrão de marcha para não sobrecarregar a área ferida.
Para piorar, tem-se a doença arterial periférica, com a redução do fluxo de sangue (logo, de oxigênio e nutrientes) para os pés, intensificando os danos aos nervos e dificultando a cicatrização das úlceras.
Ruim, não é?
Pior: no mundo inteiro, a síndrome do pé diabético afeta 6,4% dos indivíduos com diabetes, segundo a IDF (International Diabetes Federation). O problema é mais frequente em homens e no diabetes tipo 2. Está ligada à idade, ao tempo de diabetes, à glicemia descontrolada e a comorbidades, como hipertensão e tabagismo.
Claro que a situação é mais problemática nos países em desenvolvimento, onde 25% das pessoas com diabetes desenvolverão pelo menos uma úlcera do pé durante a vida. O problema é que apenas 2/3 das lesões cicatrizam e 28% resultam em algum tipo de amputação. A cada ano, 1 milhão de pessoas com diabetes, de todo o planeta, perdem uma parte do pé ou perna. São 3 amputações por minuto. Uma amputação a cada 20 segundos.
Esses números alarmantes tornam o pé diabético um problema de saúde pública. É uma das complicações do diabetes que geram mais custos para o sistema de saúde, público e privado. Custos relacionados principalmente às hospitalizações, mas também com o tratamento e acompanhamento de pacientes ambulatoriais. Sem contar os custos não médicos, com perda de produtividade, compra e manutenção de órteses e próteses, assistência domiciliar e serviços sociais para pacientes que sofreram amputação.
Apesar da prevalência e gravidade, a síndrome do pé diabético continua a ser sub-diagnosticada e sub-tratada. A própria IDF alerta que poucos profissionais de saúde sabem reconhecer os sinais da neuropatia periférica e/ou como lidar e tratar o pé diabético. Estudo multicêntrico realizado no Brasil em 2006 mostra que 58% dos pacientes com DM2 atendidos em centros especializados e não especializados não tiveram seus pés examinados pelos profissionais de saúde. O estudo tem mais de 10 anos, mas a realidade não mudou muito.
O importante é saber que o problema dos pés no diabetes pode ser prevenido. E, quando aparece, o manejo correto e abrangente pode reduzir o risco de amputação e complicações em até 85%.  
Por isso, em 2017 a IDF lançou um guia com recomendações para a prevenção primária do pé diabético. O objetivo principal é conseguir a detecção precoce de problemas, evitando desfechos traumáticos. O guia, como reforça a IDF, não serve apenas para as clínicas especializadas em cuidados com os pés, mas para todos os profissionais que lidam com a pessoa com diabetes.
A ideia é que os profissionais de saúde examinem os pés do paciente, tenha ele sintomas ou não. A recomendação é que, além do exame clínico, sejam realizadas periodicamente a avaliação de sensibilidade protetora (testes diapasão e monofilamento) e avaliação de vascularização (palpação dos pulsos dos pés).
O guia da IDF lembra que é preciso identificar e tratar as úlceras e áreas pré-ulcerativas. O objetivo deve ser manter a pessoa com diabetes capaz de caminhar, não só pelos motivos óbvios, mas porque caminhar é uma forma simples e eficaz de atividade física que ajuda a controlar a glicemia.  Lembrando que a neuropatia periférica não é contra-indicação para exercício. É possível manejar o tipo, a intensidade e a duração de forma a garantir que a atividade seja realizada para prevenir inclusive o avanço da própria neuropatia.
Volto a afirmar: os problemas nos pés PODEM SER EVITADOS. Não apenas com a manutenção da glicemia sob controle, mas com uma série de cuidados com os pés. Quer saber mais? Veja no próximo post.

Fontes:

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Descarrilhando


O Brasil cuida mal do diabetes. Na média, a hemoglobina glicada entre os quase 13 milhões de brasileiros DIAGNOSTICADOS com diabetes tipo 2 é de 8,7%. A situação é pior ainda nas regiões Norte e Nordeste, onde a média de HbA1C é de 9,0% e 8,9% respectivamente. Dentro da meta do bom controle – hemoglobina glicada menor do que 7% (veja Hemo..o quê??.....) –, são apenas 27% dos brasileiros com DM2.
Isso sem contar as pessoas não diagnosticadas – 46% dos casos do planeta, segundo as estimativas mais otimistas. Considerando, porém, que nos países em desenvolvimento o não-diagnóstico pode superar 83%, chega-se facilmente a um montante de 10 milhões de indivíduos no país que nem desconfiam que têm diabetes.
Por que esse descontrole?
A principal causa é a falta de adesão ao tratamento, que afeta entre 48% e 77% dos pacientes (os estudos não conseguem dados precisos). Número expressivo, em qualquer dos casos.
A medicação até tem adeptos: a adesão é de cerca de 80%. Mas no diabetes só tomar os remédios e/ou insulina não basta. É essencial para o bom controle associar alimentação saudável e atividade física regular. Também é fundamental ter o tratamento constantemente reavaliado, para garantir a cada indivíduo o medicamento mais adequado, usado de maneira correta e suficiente.
São diversas as prováveis causas da baixa adesão e do mau controle. Em primeiro lugar as características do próprio diabetes: condição crônica, que demanda um tratamento de longa duração (a vida inteira...), complexo, caro, que exige cuidados diários, em muitos momentos do dia e de naturezas diversas (alimentação, monitorização, remédios etc.).
Do ponto de vista da pessoa com diabetes, a falta de motivação deriva da dificuldade de aceitação da doença, sem falar do medo, da tristeza, da vergonha. Além disso, nem sempre a pessoa tem as habilidades necessárias para o autocuidado. Precisa aprender não só coisas práticas – fazer testes de glicemia, por exemplo –, como questões mais sutis, como as melhores escolhas alimentares. Para isso, precisa do apoio da família, da sociedade e dos profissionais de saúde. O que nem sempre encontra.
Sim, um dos “pilares” desse quadro desalentador é a dificuldade de acesso aos profissionais de saúde e, consequentemente, ao tratamento adequado. Não são muitos os profissionais capacitados para lidar com o diabetes, o que leva à falta de uma padronização terapêutica e à postergação das mudanças necessárias ao bom controle (a chamada “inércia clínica”). E a educação em diabetes, que deveria ser a base do tratamento e o caminho para o autocuidado, ainda engatinha por aqui.
O mau controle do diabetes traz, é claro, danos para o indivíduo com DM2: elevação dos níveis glicêmicos, aumento do risco de complicações, de hospitalizações e mortalidade. Traz também prejuízos para os serviços de saúde e para toda a sociedade, com aumento dos custos com o tratamento, não só do diabetes propriamente dito, mas das complicações que se instalam. Sem contar os custos indiretos decorrentes de incapacitações (temporárias ou permanentes) e até mesmo da mortalidade prematura.
Para mudar esse cenário, o que sugere a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes)? O estabelecimento e desenvolvimento de “novas e mais fortes parcerias entre órgãos governamentais e sociedade civil, para maior corresponsabilidade em ações orientadas para prevenção, detecção e controle do diabetes”.
É preciso aumentar as ações de rastreamento a fim de identificar as pessoas com diabetes ainda sem diagnóstico e ao mesmo tempo estabelecer ações junto aos já diagnosticados que não têm adesão e persistência no tratamento. Em contrapartida, é de vital importância capacitar os profissionais de saúde, especialmente os que atendem no setor público.
Unir profissionais capacitados àqueles com diabetes que mais necessitam de ajuda é aumentar o acesso à educação terapêutica. O que aumenta a adesão e, por consequência, o controle.
Ok, esse pode ser o sonho de um mundo ideal. Mas o que cada um, no seu canto, pode fazer? Não vale sentar e chorar!
Volto a insistir (e vou insistir sempre) que o primeiro movimento em direção à adesão é ACEITAR o diabetes. É “sair do armário”. Reconhecer que tem uma condição crônica que precisa de cuidado. Que depende de medicamentos adequados, insumos suficientes e equipes de saúde capacitadas.
Aceitar o diabetes significa, em resumo, buscar o melhor tratamento. Lutar pelo melhor tratamento. Juntar-se às outras pessoas com diabetes, familiares, cuidadores e profissionais para lutar pelo melhor tratamento.
Só assim, na melhor tradição do “juntos somos mais fortes”, haverá esperança de desviar o trem e mudar a história do diabetes.

Covid, diabetes e sedentarismo

A pandemia de covid-19 e o isolamento social dela decorrente estão fazendo mal para as pessoas com diabetes. E nada a ver com o fato de o ...